Nova-iorquinos tentam readaptar-se à cidade, que lembra Beirute

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Por Agencia Estado
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Nos dias seguintes ao ataque a Nova York, mesmo as tarefas mais cotidianas, como atravessar a rua, tornaram-se operações de guerra. Policiais controlam qualquer cruzamento mais movimentado da cidade e só se pode atravessar a rua sob seu comando, apesar de os faróis da região aberta da cidade estarem funcionando normalmente. "A população está se acostumando a viver em Beirute", disse Joe Valentine, um técnico de computação da Dow Jones & Co. referindo-se às freqüentes ameaças de bombas que têm ocorrido em diversos edifícios nova-iorquinos desde o atentado ao World Trade Center (WTC). Ameaças Nesta quarta-feira à noite, o Empire State Building foi evacuado e, nesta quinta, por volta do meio-dia, a principal estação de trem, a Grand Central. Ameaças de bomba como essas são comuns após ataques terroristas, e a maioria delas é infundada. Mas, depois do que aconteceu nesta terça-feira ao WTC, ninguém ousaria duvidar das ameaças. A cada telefonema desses, os prédios envolvidos e diversos edifícios em torno estão sendo evacuados, até que se confirme que de fato não há bombas no local. Ruas desertas Na quarta-feira, o governo municipal orientou a população a evitar entrar em Manhattan, a menos que fosse absolutamente necessário. "Quem puder ficar em casa com as crianças, é um bom dia para fazê-lo", disse na terça-feira à noite o prefeito Rudolph Giuliani. As ruas, portanto, ficaram praticamente desertas. Nesta quarta-feira, todos os acessos a Manhattan estavam fechados, exceto um. Nesta quinta-feira grande parte deles foi aberta, menos as vias de acesso à região do centro financeiro, ao sul da rua 14, que corresponde a cerca de um quarto da área de toda Manhattan. A expressão no rosto de praticamente todas as pessoas é de susto ou melancolia. Ainda é difícil para muitos acreditar que o World Trade Center foi destruído. E, conforme prosseguem as escavações, torna-se cada vez mais claro que as pessoas que não conseguiram escapar dos prédios foram violentamente esmagadas pela implosão dos 110 andares de cada torre do WTC. Atividade febril Em uma cena que se repetiu por toda a parte desinterditada da ilha de Manhattan, na própria terça-feira empresas que tinham escritórios no sul da ilha, a área conhecida como downtown, ou centro financeiro, começaram a tentar montar escritórios paralelos em outras áreas da cidade. Em um esforço comparável ao das equipes de resgate que tentam retirar os escombros do WTC, técnicos de informática como Valentine trabalharam incansavelmente desde terça-feira para pôr empresas em funcionamento o mais rápido possível. A Dow Jones, para quem Valentine trabalha, é a empresa que produz o Wall Street Journal Americas, publicado pelo jornal O Estado de S. Paulo. Sua sede ficava no World Financial Center 1, um dos sete prédios do complexo do WTC. Os 21 funcionários do Wall Street Journal Americas, que também produz suplementos em espanhol para toda a América Latina, chegaram na quarta-feira de manhã ao escritório de emergência, na rua 44, alguns trazendo seus própios laptops, para montar a nova redação. Atônito Alguns funcionários estavam diretamente envolvidos na tragédia do WTC. Alejandro Bianchi, jornalista argentino que faz parte da equipe, estava na frente do Burger King, do outro lado da rua da Torre 1 do WTC, assistindo ao incêndio atônito. Ao ver o prédio começar a ruir pelo topo, ele se virou e começou a correr pela rua perpendicular. Não avançou 30 metros e a nuvem de poeira e escombros bateu às suas costas. Ele entrou na primeira porta que viu aberta e aguardou com outras pessoas no segundo subsolo durante meia hora. ?Cena horrível? "Ao sair, a cena era horrível: tudo coberto de pó e pedaços de pessoas", lembra Bianchi. Liberado, ele começou a vagar sem rumo "porque não dava para enxergar nada", por um tempo que ele não soube calcular. De repente, deu-se conta de que estava na ponte do Brooklin e de lá conseguiu encontrar o caminho de casa. Bianchi não consegue dormir à noite desde o acidente. Uma funcionária do Americas Brasil, Di Pinheiro, estava no saguão do World Financial Center quando os aviões começaram a se chocar com as torres do WTC. Ela saiu do prédio e foi para o apartamento de uma amiga no primeiro andar de um prédio residencial do outro lado da rua, um pouco mais longe do WTC. Mas, depois do desabamento, esse prédio também foi evacuado. "Havia um mar de pessoas no saguão. Então, voltamos para o apartamento dela e pulamos a janela." Di foi levada de barco até New Jersey, de onde andou quilômetros até seu carro, coberta de poeira, para ir para casa. A experiência dos dois funcionários ilustra o estado emocional da equipe do WSJ Americas, cujo escritório está parcialmente destruído. No saguão do WFC, onde Di estava no início do acidente, há um pedaço do World Trade Center, dizem funcionários que viram imagens do prédio na TV. ?Milagre? A produção do suplemento nos últimos dois dias tem sido "um milagre", dizem os técnicos, que conseguiram conectar a rede de computadores improvisada no escritório provisório ao servidor da Dow Jones, que fica no 15º andar do World Financial Center. Nesta quarta-feira à tarde, conforme o WSJ Americas era produzido, o servidor começou a indicar superaquecimento, não se sabe se por falta de ar-condicionado ou por causa de um aparente incêndio no topo do prédio. No fim da tarde, quando apenas metade do suplemento havia sido enviado para o Estado, o servidor simplesmente parou. Os técnicos exaustos lançaram-se ao chão para retirar as placas do piso e tentar conectar o sistema à rede da operadora de telefonia de longa distância MCI, que está ocupando o mesmo edifício. Em menos de meia hora, o "milagre" havia sido realizado e o Wall Street Journal Americas pôde ser enviado em tempo hábil para ser publicado no Estado. No fim do expediente, uma salva de palmas para os técnicos-heróis.

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