Nova lei chinesa não garante propriedade em área rural

Apesar dos discursos defendendo melhoras nas condições de vida no campo, legislação aprovada pelo parlamento terá aplicação restrita às cidades

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Por Agencia Estado
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Embora tenha defendido melhores condições aos trabalhadores rurais durante a Assembléia Nacional Popular (o Parlamento chinês), encerrada nesta sexta-feira, 16, o governo da China não deu sinais de que a aprovação de uma histórica legislação sobre o direito à propriedade privada privilegiará os moradores do interior do país. Alguns especialistas acreditam que a lei representará poucas mudanças para as áreas rurais, onde a propriedade continuará sendo cedida pelo Estado para usufruto coletivo dos camponeses por um período de até 70 anos. As numerosas expropriações de terras nas áreas rurais, realizadas nos últimos anos por políticos locais corruptos, provocaram uma onda de protestos que ameaçam a estabilidade social. "A nova legislação apenas ratifica o que já era lei até agora no campo: o Estado pode recuperar a posse da terra por meio de expropriações, embora sempre que seja para o bem da comunidade", afirmou o cientista político Wen Tiejun, especialista em questão agrária. Segundo a nova lei, cujos trechos foram divulgados pela agência Nova China, "O Estado dará proteção especial para as terras de cultivo, restringindo estritamente a transformação da terra para agricultura em terra para a construção e mantendo sob controle a quantidade total usada para a construção". Ela também destaca que "serão pagas indenizações pela terra e subsídios para o reassentamento". A privatização das terras nas áreas rurais está descartada. A Assembléia também aprovou a retirada de subsídios a empresas estrangeiras, equiparando a taxa de impostos às das companhias chinesas. Foram necessários 13 anos de discussões e mais de 60 mudanças no conteúdo original para se obter a primeira lei que reconhece a propriedade privada na China desde que Mao Tsé-tung chegou ao poder em 1949. A nova lei equipara a propriedade privada, a estatal e a coletiva, dando-lhes os mesmos direitos e garantias - um reconhecimento do setor privado que nasceu com as reformas econômicas de 1978. O setor privado, incluindo os investimentos estrangeiros, representa atualmente 65% do PIB chinês e é responsável por 70% da receita do Tesouro. Apesar dos pequenos efeitos na área rural, nos setores urbanos, a lei poderá representar algum avanço. Os chineses já vinham comprando e vendendo propriedades legalmente, mas o faziam num vácuo legal. Por isso, a histórica medida é vista como um fundamento jurídico mais seguro para os empreendedores privados e a classe média urbana, que têm alimentado um boom imobiliário, fortalecendo os direitos dos proprietários. Segundo um dos 274 artigos da nova lei - que entrará em vigor em 1º de outubro, e cujo texto não foi totalmente divulgado -, "todo tipo de propriedade, desde a estatal, a coletiva, individual ou de outro tipo, está protegida pela lei e ninguém pode atentar contra ela". No entanto, em uma concessão às correntes ortodoxas do Partido Comunista, que temiam uma derrota para o capitalismo e a renúncia aos mais arraigados conceitos socialistas, o texto destaca que a propriedade estatal continua sendo "dominante". Ampla maioria A lei foi aprovada no último dia da sessão anual da Assembléia por 2.799 deputados; 52 votaram contra e 37 se abstiveram. Apesar da aprovação por maioria folgada, dois detalhes chamam a atenção: o silêncio do governo - o primeiro-ministro Wen Jiabao não mencionou a lei nem no discurso de abertura da Assembléia, no dia 5, nem na entrevista coletiva de ontem, após o encerramento da sessão - e a oposição ferrenha dentro de um reduzido, mas influente grupo de ideólogos e ex-líderes comunistas. Esse grupo se opôs energicamente à lei por considerá-la uma ameaça à economia planejada pelo Estado e um veículo para a privatização indiscriminada dos setores públicos, aumentando a crescente brecha entre ricos e pobres. Outros opositores argumentavam que a lei permitiria a algumas pessoas, principalmente funcionários corruptos, proteger os bens de que se haviam apoderado. Já os defensores da lei destacaram a necessidade de esclarecer os direitos à propriedade em um Estado que continua sendo comunista apesar de, na prática, as reformas econômicas iniciadas em 1978 terem acabado há muito tempo com a coletivização maoísta.

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