Nova onda de protestos expõe dilema de futuro político no Egito

Manifestantes pedem saída de militares do poder; violência coloca processo eleitoral em risco

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CAIRO - A convocação de uma nova marcha multitudinária na Praça Tahrir, no Cairo, nesta terça-feira, 22, expõe o dilema sobre o futuro político do Egito, dividido entre os que apoiam a junta militar no poder e os que exigem uma transição mais veloz a um governo civil.

 

 

Ativistas pediram à população para ocupar em massa a praça, pedindo a saída do Conselho Militar. Desde a noite de segunda-feira, centenas de milhares de pessoas estão se reunindo no local, palco de três dias consecutivos de violência entre soldados e manifestantes, que resultou em mais de 30 mortes e centenas de pessoas feridas. Os confrontos continuam nesta terça. O editor para Oriente Médio da BBC, Jermy Bowen, explica que a atual crise vinha sendo fomentada há meses e gira em torno de uma questão: quem terá a palavra final no novo modelo governamental do país - o povo, via políticos eleitos, ou os generais? Desde a queda da monarquia, em 1952, as Forças Armadas têm estado por trás de todos os governos do país, e controlam estimados 20% a 40% da economia. O próprio Exército pressionou pela renúncia de Mubarak quando percebeu que este havia perdido apoio popular. Desde então, a maior autoridade do país é o Conselho Supremo das Forças Armadas, agora questionada pelos manifestantes. Lento processo de transição Os atuais protestos no Cairo não têm sido tão grandes quanto os que derrubaram o presidente Hosni Mubarak, em fevereiro, mas estão tendo um forte impacto nas instituições governamentais - tanto que renunciou, nesta segunda-feira, o gabinete provisório do premiê Essam Sharaf, que havia sido nomeado pelos militares. Ainda não está claro se a renúncia foi aceita. A correspondente da BBC no Cairo, Yolande Knell, explica que, após a queda de Mubarak, os egípcios apoiaram a junta militar no comando do país. Agora, porém, muitos manifestantes se queixam do lento processo de transição a um governo civil e alegam que os militares estão se aferrando ao poder e dando continuidade ao regime derrubado pela população. Os manifestantes também rejeitam uma proposta de mudanças constitucionais, apresentadas pelo governo interino, que preveem que os militares e seu orçamento poderiam ficar isentos de supervisão civil. Ao mesmo tempo, a atual onda de violência coloca em dúvida as eleições parlamentares, cujo início está previsto para a próxima segunda-feira. E os militares já propuseram adiar as eleições presidenciais para o final de 2012 ou o início de 2013, proposta que despertou críticas na oposição, defensora de que o pleito ocorra em abril próximo. Diálogo político Há relatos de que a junta militar estaria, nesta terça, conversando com líderes políticos, para decidir se aceitará a renúncia do gabinete de governo. A Irmandade Muçulmana - cujo partido, Liberdade e Igualdade, é amplamente visto como um dos favoritos nas eleições parlamentares - está participando das conversas. O grupo se recusou a participar dos protestos desta terça-feira na Praça Tahrir, aparentemente porque não quer pôr em risco o processo eleitoral. Sem o apoio da Irmandade, é possível que a marcha desta terça não alcance o número esperado pelos manifestantes para rivalizar com os protestos anti-Mubarak, no início do ano. Além dos recentes confrontos na Praça Tahrir, há relatos de violência também em outras partes do país. Duas pessoas morreram na cidade portuária de Ismalia, no Canal de Suez, após enfrentamentos entre as forças de segurança e um grupo de 4 mil manifestantes, segundo testemunhas. 'Falhou completamente' Em relatório publicado nesta terça, a ONG Anistia Internacional disse que a junta militar egípcia "falhou completamente em cumprir suas promessas aos egípcios, de melhoras (no cumprimento de) direitos humanos". A Anistia diz que o atual governo manteve muitas das práticas abusivas atribuídas ao regime de Mubarak, como tortura de presos políticos e veto à imprensa crítica. Em contrapartida, o analista Sameh Saif al-Yazal, chefe do Instituto de Estudos de Segurança no Egito, disse à BBC que a maioria silenciosa dos egípcios ainda apoia a junta militar. "Somos uma nação de 85 milhões. Vemos alguns milhares liderando esse tipo de agressão. A maioria (da população) deseja mais respeito para o governo e a força policial", opina, alegando que os militares "não têm a ambição de se manter no poder".

 

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