Nova vítima da guerra na Síria: a água potável em Damasco 

Confrontos entre as forças de Bashar Assad e os rebeldes destruíram estação de tratamento que atendia a capital do país, obrigando os moradores da cidade a recorrem a poços artesianos e caminhões-pipa para contornarem escassez

PUBLICIDADE

Por Ben Hubbard e NYT
Atualização:

DAMASCO - Para os milhões de moradores da capital síria, Damasco, a inquietação quanto ao futuro da guerra no país foi substituída pela preocupação quanto a onde obter água suficiente para lavar pratos, roupas, ou tomar um banho. Há duas semanas a capital do país e arredores sofrem uma crise hídrica que deixou torneiras secas, provoca longas filas em poços artesianos e obriga as pessoas a usar ao máximo tudo aquilo que conseguem encontrar.

"Quando a situação fica difícil, nos esforçamos para conseguir alguma coisa", disse uma mulher num vídeo postado no Facebook mostrando uma garrafa de coca-cola usada para lavar as xícaras de chá. "Quando vocês cortam a água, cavamos para achar água. Quando fecham a torneira, nós improvisamos uma."

Sírios abastecem galões com água proveniente de um cano em uma estrada perto da capital Damasco Foto: Diary of a Mortar Shell in Damascus

PUBLICIDADE

Como muitos problemas da Síria, a crise hídrica de Damasco é outro sintoma da guerra, que matou centenas de milhares de pessoas, desalojou metade da população do país, que antes do conflito era de 22 milhões, e deixou o território dividido em zonas controladas pelo governo, rebeldes armados e grupos jihadistas.

Apesar do cessar fogo intermediado pela Rússia e Turquia e anunciado na semana passada ter reduzido a violência no país, ele não pôs fim aos combates em toda a região e não determinou o que acontece quando recursos que um lado necessita são controlados pela parte inimiga, como é o caso da água em Damasco.

Historicamente a maior parte da água que serve a capital, controlada pelo governo do presidente Bashar Assad, vem do Vale Barada, ao norte da cidade, sob controle dos rebeldes que querem destituir Assad. A crise começou em 22 de dezembro, quando a água secou nas torneiras. Cada lado acusou o outro de danificar a infraestrutura perto dos mananciais, suspendendo o fluxo de água.

Ativistas antigoverno postaram fotos online para mostrar as estruturas em torno do manancial danificadas com a explosão de bombas de barril derrubadas de helicópteros do Exército. O governo acusou os rebeldes de poluir a água e depois de danificar a infraestrutura.

Vídeo feito pela oposição síria mostra a estação de tratamento de água Ain el-Fijeh, que atende a capital do país, danificada; governo e oposição trocam acusações sobre responsabilidade da destruição Foto: Wadi Barada, via AP

Jens Laerke, porta-voz do escritório das Nações Unidas em Genebra, disse por e-mail que "o fato de a infraestrutura ter se tornado deliberadamente alvo de ataque causou a interrupção". "Mas não estamos em posição de dizer quem foi o responsável", disse ele. "A área é cenário de muitos combates e não temos acesso a ela."

Publicidade

Ativistas contrários ao governo afirmam que forças governamentais e combatentes do Hezbollah libanês continuam a atacar a área numa tentativa de capturá-la. O Observatório Sírio de Direitos Humanos, que monitora o conflito a partir de Londres por meio de uma rede de contatos na Síria, disse que o governo lançou 15 ataques aéreos sobre a área na segunda-feira em meio a choques entre rebeldes e forças do governo.

O ministro de Relações Exteriores da Turquia, Mevlut Vavusoglu, acusou o governo sírio e seus aliados de violarem o cessar-fogo, afirmando que esses novos atos de violência podem perverter as conversações de paz que serão realizadas em Astana, capital do Casaquistão em 23 de janeiro. Grupos rebeldes ameaçaram boicotar as negociações se os ataques do governo não cessarem.

Poucos moradores de Damasco esperam alguma coisa dessas conversações ou têm tempo para pensar nelas. Embora no geral estejam protegidos da violência que reduziu a escombros outras partes do país, eles vinham lutando com um inverno gelado, preços altos dos alimentos e a escassez de produtos, antes da crise hídrica que tornou ainda pior a situação.

O governo sírio procurou amenizar a crise enviando caminhões de água tirada de poços em torno da cidade, e as Nações Unidas recuperaram 120 poços para atender a um terço das necessidades diárias da cidade. Mas muitos moradores afirmam que não receberam nada. Alguns compram água de vendedores particulares e outros se aprovisionam com o que conseguem.

PUBLICIDADE

Um senhor de 50 anos disse que não toma banho há 10 dias, mas que ele e seus filhos vão todos os dias à mesquita para lavar as mãos, os pés e o rosto, o que não é possível para as mulheres da casa.

Uma senhora de 60 anos disse que não tinha água corrente em sua casa há 10 dias. Seus filhos passavam horas na fila para encher os potes no poço da mesquita. Usam a água para beber e lavar pratos e a água de uso é aproveitada nos banheiros.

Ela expressou sua raiva com o fato de a mídia estatal síria não se referir muito à crise hídrica e se concentrar mais nas batalhas do Exército contra os rebeldes. "Estou farta de notícias sobre operações militares. Quermos saber sobre a água e os horários de fornecimento". / TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO

Publicidade

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.