ASSUNÇÃO - Novas mensagens de WhatsApp divulgadas nesta quinta-feira, 8, pela imprensa paraguaia e atribuídas ao vice-presidente Hugo Velázquez revelam uma interferência direta dele na estatal elétrica do país, a Ande, para concluir a venda de energia elétrica excedente de Itaipu à empresa brasileira Léros. Segundo a oposição paraguaia, essa venda era possível mesmo que não houvesse uma regulamentação que a permitisse explicitamente.
“Oi, Pedro, como está a nossa venda de energia?”, perguntou Velázquez a Pedro Ferreira, diretor da Ande, no dia 4 de junho, segundo uma mensagem obtida pelo canal de TV NPY.
No mesmo dia, o assessor jurídico de Velázquez, José Luís Rodríguez, diz a Felix Sosa, diretor de gestão regional que “o chefe (Velázquez) falou com Ferreira” e cobrou a entrega de uma carta de intenção de compra, já que no dia seguinte viria uma delegação do Brasil discutir o negócio.
A questão da venda de energia excedente no Paraguai é controvertida. Um acordo assinado entre os presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Fernando Lugo, em 2009, estabeleceu que o Paraguai teria preferência sobre a compra dessa parcela de energia – gerada a partir do excesso de chuvas em Itaipu todos os anos, que custa cerca de US$ 6 o MW/h.
Nos últimos anos, o Paraguai tem usado a chamada energia excedente para atrair empresas e investimentos. A revenda dessa energia para empresas, disseram ao Estado fontes que participaram da gestão de Itaipu no governo Lugo, também estava prevista no pacto, desde que com a anuência da Eletrobrás. Depois do impeachment de Lugo, em 2012, no entanto, a regulamentação dessa venda nunca foi concluída.
Ricardo Canese, secretário de relações internacionais da Frente Guasú, o partido de Lugo, afirma que o acordo assinado entre os governos Lula e Lugo dizia que a energia excedente poderia ser repassada pela Ande à Eletrobrás ou a uma empresa indicada por ela. “Mas a Ande não poderia ter dado à Léros o monopólio da revenda dessa energia para que ela fosse revendida no Brasil, disse.
“Era uma prática comum que o excedente se vendesse diretamente por um mecanismo administrativo, dentro de uma das cláusulas do acordo Lugo-Lula”, disse. “O que precisamos descobrir é quem foi beneficiado por essa prática. Como isso envolveu a Eletrobrás e Itaipu. A Promotoria está ouvindo testemunhas e recolhendo provas.”
A intenção do então presidente da Ande, Pedro Ferreira, era regulamentar essa prática, ainda de acordo com Canese. Para isso, foi negociada a inclusão do chamado item 6 da ata bilateral, que permitiria ao Paraguai fazer licitações para a venda de energia a empresas privadas.
Ao mesmo tempo em que esse item era negociado, Velázquez e seu assessor jurídico intercederam na Ande para que ele fosse excluído da ata, com o objetivo de concluir a venda de energia à Léros. Para isso, disseram, segundo mensagens reveladas anteriormente, que chegaria um representante da família Bolsonaro.
Isso ocorreu em 23 de maio, segundo mensagens enviadas por Rodríguez a Pedro Ferreira. No dia seguinte, a ata foi assinada sem o item 6. Em 4 de junho, conforme o mesmo relato, a equipe brasileira, capitaneada por Alexandro Giordano, suplente do senador Major Olímpio (PSL-SP), chegou a Assunção para negociar a conclusão do acordo.
Ao Estado, na semana passada, Giordano disse que havia ido ao Paraguai entre fevereiro e maio, como parceiro da Léros, para ouvir propostas sobre um projeto-piloto de venda de energia após ficar sabendo pela imprensa local de um chamamento público para venda de energia.
Em julho, a sede do PSL em São Paulo, que funcionava no mesmo prédio que o do empresário do suplente de Major Olímpio, saiu do local, onde ocupava o mezanino. Giordano não respondeu aos pedidos da reportagem para comentar essa saída.
Segundo Sara Mabel Villalba Portillo, analista da Universidade Nacional de Assunção, mesmo que o impeachment do vice e do presidente não avance, o caso causou paralisação e repercutiu em todas as instituições estatais.
“Chama a atenção que o Brasil tenha aceitado anular o acordo por causa da situação do governo paraguaio, como um apoio para o presidente estancar a crise”, avalia.
A Léros, empresa envolvida na polêmica sobre o contrato da energia de Itaipu, foi criada em 2009 e atua em alguns segmentos do setor.
Além da comercialização, faz projetos de geração solar e tem negócios na área de petróleo e gás natural. Segundo fontes, a comercializadora tem pouca expressão no mercado. / COM CARLA BRIDI, FÁBIO LEITE, RICARDO GALHARDO e RENÉE PEREIRA, COM EFE