PUBLICIDADE

Novo líder terá de resgatar os EUA

Governo Bush implodiu não por corrupção ou falha pessoal, mas por ter isolado o país

Por Nicholas D. Kristof
Atualização:

Uma pesquisa não-científica realizada este ano entre 109 historiadores profissionais descobriu que 61% deles consideram o presidente George W. Bush como o pior presidente de toda a história americana. Alguns outros o consideraram o segundo pior, superado apenas por James Buchanan, cuja incompetência preparou o cenário para a Guerra de Secessão. Mais de 98% dos historiadores que participaram da pesquisa, realizada por meio da rede History News Network, consideram a presidência de Bush um fracasso. O governo de Bush implodiu não por causa de alguma corrupção ou venalidade pessoal, mas principalmente porque ele arrancou os EUA da comunidade internacional. A sua diplomacia de caubói aumentou a inimizade inspirada pelos EUA. Ele transformou uma superpotência num país velhaco. Em vez de isolar a Coréia do Norte e o Irã, ele isolou a nós - e prejudicou sua própria capacidade de concretizar seus objetivos. Assim, eis a principal prioridade seja do presidente Barack Obama ou do presidente John McCain: precisamos nos juntar ao restante do mundo novamente. Há três maneiras gerais por meios das quais podemos acenar com um novo começo e reconquistar a amizade dos nossos aliados: 1) Devemos não apenas fechar a prisão de Guantánamo, como também transformá-la num centro internacional de pesquisas de doenças tropicais que afligem os países pobres. Desta maneira, esse gesto se tornaria um exemplo de humanitarismo multilateral. O novo presidente também deve instalar uma comissão para a investigação das torturas e outros abusos ocorridos durante a "guerra contra o terror". Essa comissão não deve ser formada por um painel bipartidário, mas por uma equipe apartidária, composta por generais aposentados e figuras do ramo da inteligência militar como Brent Scowcroft ou Colin Powell. Uma equipe nesses moldes seria respeitada e considerada justa; exerceria uma autoridade que uma comissão formada por democratas e republicanos em constante embate jamais poderia exercer; e sublinharia nossa ansiedade para voltar às regras do mundo civilizado. 2) O novo presidente também deve dar sinais que nós não mais tentaremos solucionar nossos problemas explodindo-os. As ferramentas militares são essenciais, mas não deveriam ser nossa primeira opção para resolver os desafios do século 21. Não se pode bombardear a mudança climática. Também devemos prestar mais atenção à diplomacia pública e aos perigos de sua extensão excessiva. Nossas medidas para o Afeganistão e Paquistão são uma bagunça em parte porque o índice de aprovação de Osama bin Laden no Paquistão (34%) é quase o dobro do índice de aprovação dos EUA (19%). Você sabe que precisa de uma nova abordagem quando se vê perdendo uma disputa de relações públicas para um assassino fugitivo. Uma nova abordagem significa um esforço vigoroso pela paz no Oriente Médio. Também devemos nos comprometer a negociar com países odiosos. A política de engajamento contínuo do presidente Bill Clinton com a Coréia do Norte representou uma dor de cabeça constante, pois Kim Jong-il presidia uma repressão brutal e tentava dar início a um programa secreto envolvendo o urânio. Mas a Coréia do Norte não produziu material nuclear para uma única arma durante os anos de Clinton na presidência; durante a administração Bush, o país produziu material o bastante para meia dúzia de mísseis. Eis o placar: diplomacia de Clinton, zero ogivas; fulminação de Bush, seis ogivas. 3) Precisamos cooperar com outros países nas iniciativas humanitárias, incluindo o planejamento familiar. Uma das leviandades de Bush que mais frustraram e irritaram nossos aliados foi a recusa estúpida de apoiar o planejamento familiar por meio do Fundo de População das Nações Unidas. O resultado do fracasso em apoiar os métodos contraceptivos foi um imenso número de gestações indesejadas e abortos. É difícil pensar em alguém atualmente vivo cujas medidas tenham provocado um número de abortos desnecessários maior do que Bush. Apesar de todas as minhas críticas, eu avaliaria Bush com mais generosidade do que aqueles historiadores: considero-o o segundo pior presidente, depois de Buchanan. Isso porque Bush deu início a eficazes programas de ajuda internacional contra a aids e a malária que estão salvando milhares de vidas. Os seus programas de combate à aids transformaram áreas do sul da África, mas ele atraiu com tamanha intensidade a inimizade do mundo que os EUA nunca recebem o devido crédito por esta imensa conquista. É claro que uma política externa mais amistosa e multilateral não vai resolver os problemas do mundo. O Irã não vai desistir do seu programa nuclear apenas por gostar de nós, e a força bruta é necessária para fazer respeitar a inteligência. Mas sem capital político global, não temos cacife para organizar uma persuasão mais musculosa. Sem halterofilismo diplomático, não podemos sinalizar de maneira crível com o uso da força militar. Na seqüência da Segunda Guerra Mundial, os EUA lideraram o esforço internacional para a construção de instituições globais capazes de promover a paz e a prosperidade. Estas incluíam a Organização das Nações Unidas, o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional, e serviram aos nossos interesses. Agora, após a Guerra Fria, precisamos repensar e reformar esta arquitetura para os próximos 50 anos ou mais. Os EUA precisam se tornar parte do Tribunal Penal Internacional e devem, por exemplo, assumir a vanguarda na busca por um tratado de combate à mudança climática. O novo presidente deve ser um arquiteto desta nova ordem emergente, ao invés de se fazer ausente como foi a administração de Bush. Durante oito anos, os EUA estiveram num exílio auto-imposto, e este é um dos motivos pelos quais a administração Bush fracassou em tantos níveis. Depois de terça-feira, vamos nos juntar ao mundo novamente. *Nicholas D. Kristof é colunista

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.