06 de julho de 2016 | 19h49
Uma nova tempestade se arma no já convulsionado céu da União Europeia: um novo referendo. Maldição! Na Comissão de Bruxelas, a simples palavra apavora. O resultado do Brexit (a saída do Reino Unido da União Europeia) lançou o bloco europeu num pesadelo do qual ninguém sabe dizer quando sairá. E eis que um segundo referendo se aproxima. Será na Hungria, em 2 de outubro.
Obviamente, os efeitos dessa nova consulta não serão tão devastadores quanto os do Brexit. O peso econômico e político da Hungria não se compara ao do Reino Unido. A Hungria tem só 10 milhões de habitantes. Além disso, a proposta do referendo húngaro é mais modesta. O país não deixará a UE em caso de uma resposta negativa.
Mas a pergunta que será feita aos húngaros em 2 de outubro é explosiva. Ela diz respeito à acolhida reservada pela Europa aos migrantes que, vindos da África e da Ásia, continuam a entrar no espaço europeu.
A Hungria, que está na frente no combate a esses imigrantes, multiplicou nos últimos anos suas proteções. Um muro foi levantado na fronteira sul do país. Uma barreira feroz de arame farpado separa o país da Sérvia e da Croácia.
De nada adianta. Mesmo à custa de sofrimentos e ferimentos, os refugiados partem para o tudo ou nada. Com frequência conseguem passar. São hoje menos do que no ano passado, mas o número continua impressionante. Desde janeiro, 17 mil migrantes entraram na Hungria.
É verdade que não têm nenhuma vontade de ficar no país, que os mantém em condições precárias, às vezes indignas. Seu único desejo é deixar a Hungria para ir mais longe, para a Alemanha, por exemplo. Mas todas as fronteiras estão fechadas. Estão presos como peixe na rede.
A União Europeia procura há um ano dar soluções dignas à tragédia dos migrantes. Atribuiu uma cota para cada país-membro absorver. E é contra essas cotas que Viktor Orban, líder da Hungria, vocifera há meses. Hoje ele saca contra elas a arma do referendo. Na verdade, saca contra Bruxelas.
A pergunta a ser feita aos húngaros é simples: “Vocês aceitam que a União Europeia possa decretar uma realocação obrigatória de cidadãos não húngaros na Hungria, sem aprovação do Parlamento húngaro?”. Desnecessário dizer que a resposta de uma população violentamente xenófoba a tal pergunta será “não”.
Na realidade, essa revolta contra os migrantes é parte de um quadro mais amplo. Não passa de uma escaramuça na batalha que a Hungria de Viktor Orban trava há anos com a União Europeia. Nacionalista apaixonado, próximo aos populistas e à extrema direita, adepto do governo forte, Orban vomita toda a filosofia da UE.
Esse pirâmide de nações amontoadas sob a fiscalização de Bruxelas, essas leis que a UE impõe à Hungria, a filosofia humanista e democrática do bloco, a doutrina de laicidade – de tudo isso Orban abriria mão com satisfação.
E ele não é o único. No leste da Europa, essa revolta é a língua comum. A Polônia é ainda mais próxima do fascismo que a Hungria. O horror aos migrantes endoidece também checos e eslovacos.
Para aumentar as tensões com Bruxelas, esses mesmos países do Leste Europeu não escondem que combatem os migrantes em nome da “nação”, mas também em nome de uma civilização e ainda de uma religião. Os checos só querem receber migrantes cristãos.
Na Hungria, o chefe da diplomacia econômica brada: “Somos húngaros. Não queremos permanecer numa Europa sem fronteiras. Somos cristãos e nos orgulhamos”. / TRADUÇÃO DE ROBERTO MUNIZ
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