Número de solicitantes a refúgio em SP quase triplica em dois anos e meio

De acordo com a Cáritas, houve 310 solicitações em 2010, contra 874 apenas nos cinco primeiros meses de 2012

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Por Bruna Ribeiro
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SÃO PAULO - Há 16 anos, o padre sírio Gabriel Dahho foi enviado a São Paulo pela Igreja Síria Ortodoxa. Na capital, ele concluiu um mestrado e aprendeu o português, marcado até hoje por um simpático sotaque. Foi este conhecimento que o possibilitou, durante a Guerra do Iraque (2003-11), ajudar iraquianos que buscaram refúgio no País, ensinando o novo idioma, traduzindo documentos e até mesmo dando carona àqueles que pouco podiam se comunicar - quem dirá utilizar transporte público - a lugares distantes do centro da cidade, como a Polícia Federal, na Lapa.

 

 

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Os amparados pela Igreja do padre Gabriel são alguns dos refugiados que buscam ajuda em São Paulo. O Dia Mundial do Refugiado, marcado pela ONU para esta quarta-feira, 20, propõe uma reflexão sobre a situação das cerca de 4 mil pessoas que escolheram o Brasil para construir um novo lar, escapando de conflitos armados, desastres naturais e perseguições religiosas.

 

De acordo com a diretora da Cáritas de São Paulo, Maria Cristina Morelli, só até maio deste ano, 874 pessoas solicitaram asilo na cidade. Durante todo o ano passado, foram 661 solicitações, e 310 em 2010. Além dos conflitos da Primavera Árabe, Maria Cristina atribuiu o movimento ao fato de o Brasil ter se tornado mais conhecido internacionalmente e ter fama de ser acolhedor e aceitar as diferenças.

A maioria dos refugiados vindos para São Paulo é de países africanos como Nigéria, Senegal, Guiné-Bissau, República Democrática do Congo e Somália.

 

A essas, somam-se nações latino-americanas, como Haiti, Colômbia (principal origem de refugiados no continente, segundo a agência da ONU para refugiados) e Cuba; e ainda: Bangladesh, Butão, Afeganistão, Paquistão, Síria e Iraque.

 

Para o professor de Direito Público e Relações Internacionais da PUC Pietro Alarcon, é preciso reafirmar que o Brasil tem um papel de liderança no cenário internacional quanto ao tema do refúgio e em questões humanitárias. "Fomos o primeiro país do sul da América em introduzir no seu ordenamento jurídico interno o Estatuto da ONU para os Refugiados de 1951", explicou.

 

O Brasil também promulgou em 1997 a Lei 9.474, que define os mecanismos para a implementação desse Estatuto e criou o Comitê Nacional para os Refugiados (Conare). Além disso, o país mantém um escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (Acnur) em Brasília desde 1989.

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Dificuldades

 

No entanto, para Alarcon, ainda há vários problemas em relação aos refugiados no Brasil, que vão da comunicação, pelo fato de os refugiados falarem apenas inglês e francês, até dificuldades de moradia. "Há um déficit de moradia em municípios como São Paulo e isso afeta também uma política em favor dos refugiados para obtenção de lugar para viver".

 

As dificuldades não param por aí. Antes de conseguir o status de refugiado, o requerente obtém um documento que regulamenta sua presença no país. O papel, contudo, é desconhecido por muitos funcionários da área da saúde, o que dificulta o atendimento em hospitais.

 

A inserção no mercado de trabalho também acaba sendo uma dificuldade, segundo Alarcon. Mas o padre Gabriel compartilha algumas histórias de sucesso. Hoje, famílias de iraquianos atendidas pela igreja dele conseguiram colocar-se profissionalmente e aprender o português. "Eles escolhem o Brasil por causa da religião do país e também pela facilidade do visto", explicou.

 

Haitianos

 

A vinda de haitianos ao Brasil após o terremoto em janeiro de 2010 também contribuiu para o aumento das movimentações no país. Cerca de 2,2 mil haitianos chegaram entre janeiro de 2010 e fim de 2011, segundo o professor Alarcon. Contudo, eles ficaram em um limbo jurídico no Brasil. Eles não se encaixam nas hipóteses estabelecidas na Lei 9.474, porque deixaram o Haiti devido a um terremoto. Refugiados por conta de desastres naturais não são amparados pela lei de 1997.

 

"Isso se enquadra perfeitamente na ideia de refugiados ambientais, mas não existe legislação internacional em especial para a proteção dos refugiados ambientais, o que é um grande problema", afirma.

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Uma proteção complementar solucionou a questão de forma criativa. "O Conselho Nacional de Imigração concedeu um visto que é renovado após dois anos. Assim, o Brasil fez um gesto humanitário significativo e não violou o princípio de não-devolução, consagrado no Estatuto dos refugiados", explicou Alarcon.

 

Pelo mundo

 

Dados divulgados esta semana pela Acnur confirmam a tendência nacional como um movimento global. Segundo o relatório "Global Trends 2011" (Tendências Globais 2011), o ano passado teve um número recorde de deslocamentos forçados entre fronteiras internacionais. Foram 4,3 milhões de pessoas forçadas a se deslocar neste período, sendo que 800 mil tornaram-se refugiadas.

 

"O ano de 2011 vivenciou o sofrimento humano em uma escala épica. O custo pessoal foi enorme para todos aqueles que tiveram suas vidas drasticamente afetadas em tão curto espaço de tempo", disse o Alto Comissário da ONU para Refugiados, António Guterres, na divulgação do relatório.

 

Para o professor Alarcon, o reflexo desta situação no Brasil se dá aos conflitos que permanecem ou se intensificam, como os da Primavera Árabe. "É preciso contribuir com uma cultura de paz, profunda responsabilidade democrática, de participação e cidadania", declarou.

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