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O abandono das ações produtivas e os sinais de declínio

Os EUA afastam-se da mentalidade que enriqueceu o país

Por David Brooks
Atualização:

A maioria da população do século 19 era pouco mais rica que pessoas que viveram no ano 100.000 a. C. Sua dieta não era melhor. Elas não eram mais altas nem viviam mais tempo. Mas em algum momento daquele século o crescimento econômico deslanchou - primeiro na Grã-Bretanha, depois por outros lugares.Em seu livro The Enlightened Economy ("A economia esclarecida", em tradução livre), Joel Mokyr, da Northwestern University argumenta que a transformação crucial ocorreu na mentalidade das pessoas. Em razão de uma série de mudanças culturais, técnicos começaram a dar uso prático a conhecimentos científicos. Por exemplo, empresários aplicaram pesquisa geológica ao negócio de mineração e transporte. A Grã-Bretanha logo dominou o mundo. Mas, depois, decaiu. De novo, a transformação crucial foi na mentalidade. Como registrou o historiador Correlli Barnett, os tataranetos dos construtores de impérios se retiraram dos negócios, tentaram se colocar acima do conhecimento prático e adotaram atitude mais requintada sobre o modo de viver. Hoje, 65% dos americanos creem que seu país está em declínio, segundo pesquisa NBC/Wall Street Journal compilada recentemente. E isso é verdade: os problemas econômicos de hoje são estruturais, não cíclicos.A primeira lição dos historiadores econômicos é que deveríamos tentar compreender nossa situação olhando as mudanças em ideias e valores, e não apenas o aspecto material. Após décadas de afluência, os EUA se afastaram da mentalidade prática obstinada que construiu a riqueza do país. A mudança é evidente em todos os níveis da sociedade. Primeiro, as elites. As cabeças mais brilhantes vêm abandonando o empreendimento industrial e técnico em favor de campos mais prestigiados, mas menos produtivos como advocacia, finanças, consultoria e ativismo sem fins lucrativos. Seria embaraçoso um graduado nas universidades de ponta ir para o interior trabalhar numa pequena indústria. Em 2007, 58% dos graduados e 43% das graduadas em Harvard foram para finanças e consultoria. O distanciamento de valores comerciais foi manifestado por Michelle Obama. "Não vão para a América corporativa", disse ela a um grupo de mulheres em Ohio. "Sejam professoras. Trabalhem para a comunidade. Sejam enfermeiras... Façam essa escolha, como nós fizemos, de mudar-se da indústria de ganhar dinheiro para a indústria de ajudar." Na medida em que pessoas talentosas adotam essas prioridades, o país se tornará mais humano, mas será menos próspero. E há a classe média. O surgimento de uma economia de serviços criou uma grande população de trabalhadores de escritório subalternos ou de nível intermediário. Aumentaram os níveis de consumo e endividamento. O déficit comercial explodiu. A economia ajustou-se para atender à sua demanda - investindo menos que o necessário em bens manufaturados e mais que o necessário em varejo e habitação. Esses trabalhadores de escritório não queriam que seus filhos voltassem à classe operária, e assim se assistiu à escassez de trabalhadores técnicos especializados. Uma das perversidades desta recessão é que à medida que a taxa de desemprego subia, a taxa de vagas desocupadas no mercado de trabalho subia também. Empresas manufatureiras não conseguem encontrar operários especializados. Por fim, a classe mais baixa. O problema aqui é a ruptura social. Algo como um quarto a um terço das crianças americanas estão vivendo com um dos pais, ou com nenhum deles, em bairros caóticos com escolas precárias. Uma fatia gigantesca do capital humano dos EUA é espantosamente subutilizada. Não estou convencido de que os EUA estão em decadência. Há forças para se contrapor a essas fraquezas. Mas as mudanças de valores são reais. De alto a baixo da sociedade, as pessoas estão se afastando de atividades produtivas, comerciais, e se aproximando das atividades agradáveis, esclarecidas, mas menos produtivas. / TRADUÇÃO DE CELSO M. PACIORNIKÉ COMENTARISTA POLÍTICO

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