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'O acesso à vida política é o coração do pacto pela paz'

O ex-líder rebelde Antonio Navarro Wolff crê no sucesso das negociações na Colômbia, 'pois hoje as guerrilhas compreendem que não têm como ganhar a guerra'

Por Denise Chrispim Marin e BOGOTÁ
Atualização:

Senador eleito em março, o colombiano Antonio Navarro Wolff acredita que a negociação de paz em curso é o único meio de fazer as guerrilhas desaparecerem de seu país. Navarro Wolff, de 65 anos, tem bagagem para tratar o assunto. Um dos seis comandantes do M-19 (Movimento 19 de Abril), ele lutou nas selvas por 15 anos, perdeu uma perna em um atentado, viveu no exílio por quatro anos e tornou-se o principal negociador do acordo de paz selado em 1990. Desde então, segue uma carreira política de sucesso.

Wolff candidatou-se em dez eleições desde o acordo de paz assinado pelo M-19, que não previu prisão dos guerrilheiros e lhe permitiu ingressar na vida política. Perdeu apenas três delas - todas para a presidência da Colômbia.

O que move as Farc e o ELN a negociar a paz com o governo?

A convicção de que não vão ganhar a guerra. Há 14 anos, as Farc começaram a negociar com o governo de (Andrés) Pastrana, mas ainda acreditavam que poderiam vencer. Hoje, sua compreensão de que não têm como ganhar a guerra está expressa nos acordos parciais já fechados com o governo. E isso faz com que as negociações possam ter sucesso.

As Farc não são apenas uma guerrilha revolucionária, mas um grupo que comete crimes. Como lidar com essa questão nas negociações?

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Quando as Farc começaram a negociar, há dois anos, pensei: esses caras estão como nós, do M-19, 25 anos atrás. Tínhamos bem claro que o acordo de paz dependeria dos cidadãos, que votam. Por isso, fizemos um cessar-fogo unilateral durante as negociações para ganhar o apoio popular. Conseguimos 28% dos votos para a Assembleia Constituinte um ano e meio após o acordo. As Farc ainda não perceberam a importância de se relacionar bem com o público e continuam matando.

A proposta do candidato Óscar Iván Zuluaga não poderia ter sucesso?

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O processo de paz depende do resultado da eleição (de hoje). Se Santos vencer, haverá negociação com concessões básicas. Se Zuluaga ganhar, o processo vai ser completamente alterado. Zuluaga vende a ideia de que também quer a paz. Mas a guerrilha não aceita suas exigências de cessar-fogo unilateral, de prisão de seis anos para seus líderes e de bloqueio de acesso à política.

Essa posição pode ser entendida diante dos crimes praticados pelas Farc.

Por causa da polarização eleitoral, têm havido muitos exageros. As Farc não são o maior cartel de drogas do mundo. Mas controlam, cultivam e vendem drogas dentro do país. São um Estado ilegal nas zonas onde atuam. A guerrilha não é um exército de ocupação. Se fosse, o governo já as teria derrotado. As Forças Armadas têm superioridade estratégica e 300 mil homens para lutar contra 8 mil.

As Farc ainda mantém o ideal revolucionário?

Eles continuam acreditando na revolução comunista. Continuam na selva, mesmo tendo dinheiro.

As Farc merecem ter acesso à vida política?

O coração da negociação de paz está na possibilidade de os guerrilheiros ingressarem na vida política. As Farc controlam ainda 150 municípios, têm 8 mil soldados e dinheiro. Se o governo disser que eles não podem concorrer às eleições, será o mesmo que exigir sua rendição. É preciso dizer a eles que, se pretendem tomar o poder, o façam pela via eleitoral. Eles dificilmente serão eleitos. Seus líderes são muito torpes.

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Que contribuição as Farc podem dar?

A deposição de suas armas. As últimas cinco eleições presidenciais giraram em torno da questão da negociação com a guerrilha ou da guerra. Pela quinta vez, estamos escolhendo um presidente com base nessas duas hipóteses. Já é hora de isso passar para a História. Voto em Santos porque a negociação é o melhor meio de as Farc desaparecerem.

Legalmente é possível conceder anistia e direito político e evitar a prisão dos guerrilheiros?

Em quase 200 anos de História, a Colômbia concedeu 76 vezes a anistia ou indultos a guerrilheiros. Mas, o país é membro do Tribunal Penal Internacional, que pode interferir porque as Farc têm menores entre seus militantes, o que é um crime de lesa humanidade. A brecha jurídica seria valer-se da Justiça Transicional, como fez a Inglaterra para firmar o acordo de paz com o IRA.

Mas os paramilitares foram para a prisão e não recuperaram seus direitos políticos, conforme o acordo de paz.

Eles combateram a guerrilha segundo a lógica do terror. Esses, sim, eram terroristas e se dedicaram a controlar prefeituras e a extorquir.

O senhor foi anistiado? O acordo de paz beneficiou os líderes do M-19?

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Não fui anistiado porque não havia condenação penal contra mim. O governo apenas arquivou o processo.

Tinha medo de ser morto?

Sim, muito medo. Em 1985, eu já havia sobrevivido a um atentado quando tinha salvo-conduto, como chefe do comitê de negociação de paz com o governo de Belisário Betancourt. Em uma manhã, em Cali, um sujeito entrou na lanchonete onde eu tomava café e jogou uma granada debaixo da minha mesa. Abriu-se um buraco maior do que uma bola de golfe no meu pé esquerdo. Um estilhaço fincado na garganta, quase me matou e deixou metade da minha língua paralisada. Fiquei em um hospital por duas semanas, enquanto o (escritor Gabriel) García Marquez negociava com o governo do México o meu traslado. Jornalistas fizeram um abaixo-assinado para o governo de Betancourt me liberar. No México, a infecção na perna provocou um choque anafilático. Então, pedi que amputassem minha perna. Desde então, uso uma prótese.

Por que o senhor preferiu a via da luta armada?

Em abril de 1970, houve uma fraude escancarada na eleição presidencial. Eu não apoiava o candidato derrubado, um general conservador. Mas era um jovem engenheiro e consultor internacional e como muitos jovens da época, queria mudar o mundo.

Arrepende-se de algo desse período?

A História mostrou que estávamos errados. Me arrependo apenas de não ter feito o acordo de paz antes, em 1984.

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