A Síria se tornou muitas coisas: uma crise de refugiados, um atoleiro regional, o pesadelo do Ocidente, um paraíso para terroristas, o brinquedo da Rússia e o núcleo das ambições iranianas. Para a comunidade internacional, no entanto, é uma guerra civil. A ONU, a imprensa ocidental e a UE se refeerem ao conflito dessa forma.
As simplificações são imprecisas e perigosas. Elas absolvem a comunidade internacional da responsabilidade e dão a Bashar Assad um verniz de legitimidade. Também inocentam Rússia e Irã de responsabilidade no conflito, além de permitir que grupos terroristas justifiquem seu envolvimento nele.
Não há dúvidas de que a guerra civil é uma das muitas camadas do conflito sírio. Facções locais lutam entre si pelo poder. Na prática, há uma guerra movida por Assad contra a população civil.
Isso é verificável quando se analisa o grau de violência do conflito. As forças de Assad mataram 95% das vítimas civis do confronto, segundo ONGs de direitos humanos ligadas à oposição que examinam o conflito. Além disso, Assad controla o Exército, o arsenal do Estado e reprimiu protestos pacíficos. Usou armas químicas na população e controla o aparato de inteligência do Estado.
Foi o líder sírio também quem libertou militantes islâmicos da prisão, dando a eles a possibilidade de se reagrupar em grupos armados. Isso não foi feito por acaso, mas com o intuito de espalhar o conflito e radicalizar os protestos, transformando um pedido por reformas em uma luta sectária.
Também é difícil aceitar o conceito de guerra civil quando há tanta interferência externa. Diante da forte resistência armada de grupos da oposição, Assad permitiu a ajuda do Irã e da Rússia e a entrada desses atores no conflito. O Exército de Assad mal luta hoje em dia. Milícias xiitas iranianas e do Hezbollah lutam em solo, apoiadas pela Força Aérea Russa. Sem Moscou e Teerã, Assad estaria há muito derrotado.
Aplicar o conceito de guerra civil tem consequências sérias na formulação de políticas. Ela protege o líder sírio. Assad pode ser um ditador abjeto, mas é estável. Como resultado de sua falta de ação, o mundo viu o êxodo de refugiados, a Rússia e o Irã boicotarem os esforços americanos e os atentados do Estado Islâmico na Europa.
Isso não é uma guerra civil. Apenas quando pararmos de chamá-la assim teremos condições de entender a história e a estratégia do regime, as diferenças do povo sírio, os interesses dos envolvidos e o significado da responsabilidade.