O dia de uma população que se amotinou

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Por Agencia Estado
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É como se todos obedecessem a um sinal. Qualquer movimento mais intenso de pessoas na esquina mais próxima provoca uma correria entre funcionários e proprietários das lojas para fechar as portas das lojas e se prevenir dos saques que podem ocorrer a qualquer momento. Se o saque não se confirma, as portas são reabertas. Na rua Bartolomé Mitre, que corta uma região de comércio popular de Buenos Aires, tem sido assim desde a quarta-feira, quando a onda de saques varreu o país e chegou à capital. "Hoje foi a terceira vez isso acontece", diz o coreano Chung Ho Park, há 20 anos na Argentina, arrendatário de um pequeno negócio de roupas feitas. Temendo os saques, os clientes também não aparecem. "Você está aqui já há uns dez minutos e quantas pessoas entraram?", pergunta o encarregado de uma loja de malas e bolsas, que prefere não se identificar. "Nenhum", responde, desolado. Chung diz que viveu essa mesma situação no fim dos anos 80, no caso do governo da Raul Alfonsin, mas por motivos diferentes. Na época, havia saques porque o sistema social estava sendo corroído pela hiperinflação. Agora, pela queda da atividade econômica e pelo desemprego provocado pelo plano de convertibilidade de Domingo Cavallo. "Nesse período, muito dinheiro passou de uma mão a outra; eu não vi nenhum", comenta o coreano, que ainda consegue manter o bom humor num dia em que o caos parece tomar conta de Buenos Aires. Mais longe dali, nas proximidades do Palácio de Governo e do Congresso, os manifestantes se concentram, desafiando o estado de sítio que proíbe reuniões. O confronto vai se formando aos poucos e, no final da tarde explode numa sucessão de choques com a Polícia, que acabam tragicamente em carros incendiados, feridos e mortos. No comércio, o movimento vem caindo persistentemente há vários meses. Sofreu um duro golpe no mês passado, quando, numa medida desesperada para conter a sangria do sistema financeiro, Cavallo limitou os ssques bancários a 250 pesos por semana. Agora, com os saques, nem a proximidade do Natal reanima as vendas. "Os argentinos são gastadores. Gostam de comprar. Se não estão fazendo isso agora é porque não tem mesmo dinheiro", comenta o gerente da loja de malas. "Só compram o imprescindível." O gerente diz que o desemprego é a causa principal da falta de dinheiro. "As indústrias daqui foram fechando, não fabricamos mais coisas como antes", diz apontando para uma prateleira cheia de sacolas de viagem "made in China".

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