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O dilema do brasileiro deportado dos EUA que não fala português

Adotado aos 5 anos por um casal americano, Paul Fernando Schreiner foi deportado para o Brasil mesmo sendo imigrante legal nos EUA

Por Carla Bridi
Atualização:

Prestes a completar um ano morando em Niterói, de onde avista a Baía de Guanabara e o Rio de Janeiro, o americano Paul Fernando Schreiner não vê a hora de retornar ao Estado de Nebraska, nos Estados Unidos, onde morou por aproximadamente 30 anos com os pais adotivos. 

Paul Fernando Schreiner, americano deportado ao Brasil, na casa onde reside em Niterói, Rio de Janeiro Foto: Leo Correa/AP

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“Se eu te falar da minha rotina, tanto eu quanto você morreríamos de tédio”, afirma. Passeios ao shopping são frequentes – “O sinal do wi-fi é melhor aqui do que no condomínio”, afirma –, além de idas à academia, o único hábito que conseguiu manter após ser deportado dos EUA ao Brasil, em junho de 2018. 

Paul nasceu no Brasil. Sem certidão de nascimento, foi registrado no município de Nova Iguaçu aproximadamente aos cinco anos, quando Rosanna e Roger Schreiner decidiram adotá-lo pelo preço de US$ 10 mil, em 1989. “Falaram que era um orfanato, mas não entregaram nenhum documento aos meus pais. Existe a suspeita de ter sido uma gangue de tráfico sexual”, afirma. 

Na época chamado pelas demais crianças da favela de Fernando, nome de registro de sua certidão brasileira, Paul tinha uma irmã biológica, que foi raptada por “caras maus”. 

“A gente se escondia atrás de latas de lixo para desviar dos tiros. Nos refugíamos em uma casa e nunca mais a vi”. No suposto orfanato, onde ele afirma que os funcionários levavam-no para suas casas aos finais de semana, Paul foi vítima de constantes abusos sexuais.

A história revelada nesta quinta-feira, 6, pela agência Associated Press relata o drama que também pode acometer de 35 mil a 75 mil americanos adotados, segundo estimativas de grupos de adoção dos EUA.

Apesar de ter uma certidão de nascimento americana, com os nomes dos pais adotivos, Paul nunca fora naturalizado. A Lei de Cidadania Infantil, assinada em 2000, facilitava a concessão de cidadania a crianças estrangeiras adotadas, tornando-a automática. 

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Paul, entretanto, não conseguiu o benefício, restrito a menores de 18 anos no momento da promulgação da lei. O fato de obter um greencard, documento de cidadania legal a estrangeiros, também não o tornava elegível, devido ao seu histórico criminal: ele ficou oito anos preso após ter tido relações sexuais com uma garota de 14 anos, tendo sido acusado de estupro.

Por esse motivo, o Programa de Ação Diferida Para Chegadas de Crianças (DACA), do governo Barack Obama, derrubado por Donald Trump, também não poderia ser benéfico a Paul. Mais de 2,8 milhões de pessoas foram deportadas dos EUA em sua gestão. 

A nova política anti-imigração dos EUA exigiu do Consulado do Brasil em Los Angeles – que tem jurisdição sob o Estado do Arizona, para onde Paul se mudou após sair da prisão – um “atestado de nacionalidade”, onde ele está registrado somente como Fernando, sem sobrenome ou nomes de seus pais, assim como sua certidão de nascimento brasileira.

Atestado de nacionalidade emitido pelo Consulado Brasileiro em Los Angeles, nos EUA, foi o único documento com que Paul Fernando Schreider entrou no Brasil ao ser deportado; a ausência de dados torna-o incompatível com sua documentação americana Foto: Reprodução/Arquivo Paul Fernando Schreider

Foi assim que Paul, o brasileiro que não fala português e não tem família no Brasil, entrou no País – sem passaporte. Os dados do atestado brasileiro não são os mesmos de sua certidão de nascimento americana - o que por enquanto não permitiu que o governo brasileiro emitisse documentos para ele. Com isso, Paul não consegue trabalhar, nem abrir uma conta em seu nome no banco. Seu pai deposita dinheiro para o filho ao casal que o abriga. 

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“O governo me considera brasileiro, mas não estou sendo tratado como um. Só quero um passaporte para me mudar para o Canadá, onde a cultura é parecida e meus pais poderão me visitar”, relata.

Em nota, o Ministério das Relações Exteriores disse que o consulado em Los Angeles foi “instruído para confirmar formalmente, ante as autoridades americanas, a nacionalidade brasileira do senhor Schreiner, que tinha uma ordem final de deportação contra ele”. 

Paul ficou oito meses detido em um centro para imigrantes ilegais nos Estados Unidos tentando reverter sua ordem de deportação. “Eu preferi ficar oito meses naquele lugar sendo tratado como imigrante ilegal do que vir para cá. Eu tinha medo do Brasil e tenho ódio daqui.” 

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Ele pede desculpas ao se referir ao País dessa maneira. “Eu só tenho lembranças ruins daqui. Não tem como eu gostar de um lugar onde via crianças usando armas e fui abusado. Meus pais me salvaram”, afirma. 

A família Schreiner na casa no Nebraska, EUA, com os filhos, todos adotados. Paul Fernando Schreiner está ao topo à direita Foto: Reprodução/Arquivo Família Schreiner via AP

O americano, que já pediu para uma de suas quatro filhas não se referir como descendente de brasileiros – a mesma foi proibida de visitá-lo no Rio – , não se considera religioso, mas frequentava a igreja. “Adorava ir à igreja nos EUA. Fui em algumas missas aqui e pensava que iria aprender português. Mas meu cérebro simplesmente bloqueia”. 

As idas ao shopping para obter um sinal melhor de internet possibilitam que ele se comunique com a família e que assista aos noticiários americanos. “Quero ter notícias do meu País. Quero que exponham o que está acontecendo comigo e com outros deportados. Eu não sou brasileiro”. / COM AP

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