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O dilema libanês

Por Issa Goraieb
Atualização:

Tomates e ovos lançados por manifestantes enfurecidos sobre capôs e vidros das luxuosas Mercedes e BMWs dos deputados a caminho da Assembleia Nacional. Essa cena rara teve lugar na quarta-feira, no centro de Beirute, quando centenas de militantes da sociedade civil tentaram impedir o acesso ao Parlamento, onde os políticos se preparavam para prorrogar seu próprio mandato - pela segunda vez em menos de dois anos. Evidentemente, o protesto foi em vão: os manifestantes foram duramente reprimidos pela polícia. E, por esmagadora maioria, o texto foi votado. Eleita para um mandato de quatro anos em 2009, a atual Assembleia já havia garantido, em junho de 2013, data em que expirou seu mandato legal, uma sobrevida de 17 meses, alegando que as diversas forças políticas não conseguiram chegar a um acordo sobre uma lei eleitoral que garantisse uma representação justa e equitativa das diversas comunidades religiosas. Desta vez, o argumento para uma nova extensão de 31 meses foi a precária situação da segurança e a necessidade de se prevenir contra a ameaça de um vazio constitucional num país sem presidente há seis meses. Quanto ao primeiro argumento, devemos reconhecer que a força pública libanesa (Exército e polícia) está totalmente envolvida na luta contra o terrorismo islâmico para garantir a realização de eleições em ordem e calma. E, de fato, não só os combatentes do Estado Islâmico (EI) vindos da Síria continuam a acampar numa parte da fronteira, mas cerca de 30 militares libaneses continuam, há dois meses, reféns dos extremistas. A isso acrescenta-se o onipresente perigo israelense. No caso de uma nova guerra, nenhum porto ou aeroporto israelense estará protegido contra ataques, declarou o chefe do Hezbollah - e aliado do Irã -, Hassan Nasrallah. A resposta foi rápida. "Levaremos o Líbano para 70 ou 80 anos atrás", advertiu o chefe do Estado-Maior do Exército israelense, Benny Gantz. "Varreremos esse país da face da Terra e ele retornará à idade da pedra", afirmou ainda mais agressivamente o ministro dos Transportes israelense, Ysraël Katz. Se o argumento da segurança tem peso, é o temor do vazio constitucional, no entanto, como alegado pelos parlamentares, que é alvo de uma viva controvérsia. Os parlamentares sustentam que simplesmente optaram pelo menos ruim: em vez de deixar que a Assembleia desapareça - como ela é a fonte de todos os poderes -, será melhor mantê-la gotejando à espera de dias melhores, quando então eleições regulares poderão ser realizadas. O problema é que esse discurso não convence os liberais, que qualificam o Parlamento de improdutivo, preguiçoso e acusam a Assembleia de não ter cumprido sua obrigação constitucional de eleger um presidente, o que seria a causa do vazio que agora os parlamentares pretendem impedir. O general Michel Aoun, chefe do bloco parlamentar cristão, o mais importante do país, tem sido muito criticado. Ele é candidato declarado à presidência contra seu velho rival, Samir Geagea, líder do partido das Forças Libanesas. Aoun boicotou a sessão do Parlamento, na quarta-feira, e afirmou ser ilegal a nova prorrogação de mandato, embora tenha sido avalizada por seus aliados, liderados pelo Hezbollah. Aoun é recriminado também por sua união com o Hezbollah e por ter boicotado 15 reuniões parlamentares convocadas para a eleição do novo presidente, o que não ocorreu por falta de quorum. É precisamente essa política de obstrução que o chefe da Igreja maronita denuncia todos os dias com um vigor sem precedentes. Da Austrália, onde realiza uma visita pastoral, o patriarca Bechara Raï chegou a ponto de prometer "o bastão", gravame tradicionalmente reservado aos cristãos, para os autores do bloqueio parlamentar. Nada leva a crer, contudo, que ele será ouvido. / TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO *Issa Goraieb é jornalista do 'L'Orient-Le Jour', de Beirute, e colunista do 'Estado'

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