O encolhimento dos EUA

Não é preciso muito esforço de análise para constatar o retumbante fracasso da política de embargo contra Cuba

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colunista convidado
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Por Lourival Sant'Anna
Atualização:

O cerco das investigações do FBI sobre o envolvimento do governo de Donald Trump com a Rússia se aperta, e o presidente americano reage tentando se reconectar com eleitorado, como seus próprios assessores haviam antecipado. Na sexta-feira, Trump anunciou, a uma eufórica plateia de cubano-americanos em Miami, a manutenção do embargo contra Cuba e a retomada da proibição de viagens.

Não é preciso muito esforço de análise para constatar o retumbante fracasso dessa política. Basta dizer que, ao longo de cinco décadas, ela não atingiu seu objetivo: apear os castristas do poder. Ao contrário. O “bloqueio”, como é chamado em Cuba, serviu de cortina de fumaça para a ditadura esconder o evidente fracasso de seu modelo econômico, combinado com a perversidade de seu regime autoritário.

Trump anunciou a manutenção do embargo contra Cuba e a retomada da proibição de viagens Foto: EFE/Michael Reynolds

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Estive em dezembro em Cuba pela quarta vez, na morte de Fidel Castro, e lá são visíveis os benefícios das reformas de Raúl Castro para facilitar a iniciativa privada. Muitos cubanos trocaram seus empregos públicos de US$ 40 mensais por serviços que pagam esse valor por semana. Esse vento de capitalismo apressa o fim do regime.

Não é que os republicanos não vejam isso. Ao longo dessas décadas, o apoio dos cubano-americanos foi atraente demais, em um Estado de voto pendular como a Flórida, quarto colégio eleitoral do país, para arriscar desagradá-los. Entretanto, como constatei na cobertura das três últimas eleições americanas, houve uma mudança geracional na Flórida, com a chegada de novos cubanos, que não viveram o trauma das desapropriações da Revolução de 1959, desejam manter vínculos estreitos com seus parentes em Cuba, não gostam do regime, mas sabem que o embargo não o derrubará. Barack Obama entendeu essa mudança, e tomou a ousada iniciativa de reatar as relações diplomáticas e propor o fim do embargo – impedido pelos republicanos no Congresso. 

Obama também entendeu que a aliança quase incondicional com Israel e a Arábia Saudita não servia aos interesses estratégicos dos EUA, e reequilibrou a posição na região ao firmar o acordo nuclear com o Irã. Nesse sentido, é emblemático que Trump, com a clara intenção de apagar as políticas de seu antecessor, tenha aproveitado a ocasião em Miami para reafirmar seu desejo de romper também esse acordo: “O acordo do Irã foi muito ruim também.”

A visita de Trump à Arábia Saudita e a Israel e seu apelo para que ambos os países o ajudassem a coibir o raio de ação do Irã e também dos grupos terroristas serviram de senha para que a monarquia saudita rompesse relações com o Catar. Em busca de sair da sombra de seu enorme vizinho, o Catar nos últimos anos financiou grupos extremistas e cultivou boas relações com o Irã. Isso se aplica às reuniões da Organização dos Países Exportadores de Petróleo. Acostumados a dar as cartas no cartel, aumentando ou diminuindo o petróleo disponível no mundo conforme seus interesses, os sauditas se irritaram com a atuação independente do Catar. 

Assim, havia muito que Riad queria “cortar as asas” do Catar, mas tinha receio pelo fato de os EUA manterem dois postos de comando e controle no emirado – para o Oriente Médio e Afeganistão e para os bombardeios aéreos contra o Estado Islâmico na Síria e no Iraque.

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Na semana passada, Rússia e Turquia manifestaram apoio ao Catar. Escrevo de Jerusalém, e há um realinhamento aqui no Oriente Médio: de um lado, EUA, Arábia Saudita (e seus vizinhos com exceção do Catar), Israel e Egito; de outro, Rússia, Turquia, Irã e Catar. As consequências de longo prazo são incertas. Mas o fato é que esses alinhamentos reduzem a margem de ação dos EUA. Ainda mais considerando que Trump tem a ambição de obter um acordo de paz entre israelenses e palestinos.

Assim como no caso de Cuba, não é que Trump e os republicanos não percebam isso. Apenas sua fragilidade política o empurra a cumprir promessas de campanha que não atendem aos interesses dos EUA, mas sim de seu acuado presidente.

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