O fim bem-vindo de certas desilusões

O mundo árabe poderá transcender o falso dilema segundo o qual a única escolha é entre a tirania e o fundamentalismo

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Por Felix Marquardt
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THE INTERNATIONAL HERALD TRIBUNE

e o que a data passou a significar, para os Estados Unidos e para nosso tempo, representaram um daqueles momentos da grande narrativa da humanidade que o famoso humanista austríaco, Stephen Zweig, gostava de destacar. Dez anos depois, a série de revoluções que ainda está em processo, abalando o mundo árabe, representa outro destes momentos. Apesar da infeliz falta de coordenação e das inúmeras oportunidades perdidas por parte do Ocidente, no meio tempo cristalizou-se uma positiva reaproximação entre este e os mundos árabe e muçulmano. Em um mundo que se tornou multipolar mais cedo do que se poderia esperar, este desdobramento poderá se revelar salutar.

O fundamentalismo islâmico está perdendo seu apelo entre as massas árabes e muçulmanas, principalmente entre os jovens. A prova disso pode ser encontrada na ausência de influências extremistas evidentes nestes movimentos revolucionários. Desde o início da revolta na Tunísia e seus congêneres no Egito, Líbia, Bahrein, Iêmen e Síria, o povo tem se levantado não ao som dos discursos islâmico ou antiocidental, mas ao dos slogans que reivindicam mais democracia. Este anseio de liberdade, longe de ser imposto pelo Ocidente, brota do íntimo dessas pessoas. Embora a cautela deva ser obviamente um princípio norteador nesta fase, podemos esperar que os revolucionários e a população destes países, como um todo, estarão prestes a mostrar ao mundo que, ao sul, e quem sabe a leste do Mediterrâneo, existe uma alternativa à teocracia e à ditadura militar.

O povo que foi às ruas nos países árabes está muito menos propenso a culpar exclusivamente os outros (o Ocidente, os Estados Unidos, Israel, os três juntos) por seu gritante subdesenvolvimento, conforme atestam nove relatórios da ONU. Finalmente, ele culpa por seus males os tiranos que o governam ou governavam. O espantoso mito que há tanto tempo vem se espalhando pelo mundo árabe e muçulmano, de que os "judeus" que trabalhavam nas torres foram avisados antes dos outros dos ataques ao World Trade Center, finalmente está sendo desacreditado. No meio tempo, o niilismo da Al-Qaeda sofre um total repúdio. Apesar do seu apelo inicial, que o futuro Bin Laden e seus sucessores representam para os que estão dispostos a abraçar sua causa, está se mostrando cada vez menos atraente, cada vez menos digno dos sacrifícios exigidos. E, o que é melhor, a geração mais jovem do mundo muçulmano e árabe parece cada vez menos disposta a repudiar totalmente a reforma, que paralisava seus pais desde a última tentativa séria e sistemática de modernizar o Islã na virada do século 20.

Mas não sejamos ingênuos: em todo o mundo árabe a necessidade de discutir o lugar da religião na sociedade, na política, na economia e em várias instituições continua premente. A construção de democracias árabes ou de Estados islâmicos (em oposição aos radicais) no respeito das liberdades individuais exigirá tempo, suor e (ainda mais) lágrimas. Mas uma nova Weltanschauung, introduzida especialmente pela juventude, está surgindo no mundo árabe e no muçulmano.

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O Ocidente também parece ter amadurecido e está digerindo em tempo recorde o fim de uma supremacia secular que julgava tivesse de acabar lentamente, mas já se foi, conforme acaba de perceber. Acima de tudo, o pensamento ocidental parece ter conseguido, na última década, libertar-se de uma estranha doença sintomática do seu declínio na segunda metade do século 20: uma forma absurda, abnegada e politicamente correta de relativismo cultural e moral.

Nos anos 50 e 60, a crítica do orientalismo e do eurocentrismo foi evidentemente necessária. O Ocidente, convencido de sua superioridade sobre todas as outras civilizações, precisava questionar-se e com urgência.

Contestação. Infelizmente, a crítica positiva do movimento estruturalista e dos expoentes pós-modernos da desconstrução foi longe demais, e ninguém, com exceção de algumas mentes iluminadas, como Jean-François Revel ou Mario Vargas Llosa, questionou de fato seus excessos. Este relativismo, que levou a uma falta chocante de discernimento dos progressistas a respeito de uma série de questões políticas e morais acabou causando danos numa escala global. E é com o Ocidente cada vez mais consciente dos limites que acaba de descobrir, mas também de suas virtudes e valores, que o mundo árabe poderá transcender o falso dilema que dominou a visão sobre a região, segundo a qual a única escolha existente é entre a tirania e o fundamentalismo. Somente à luz dessa possibilidade deveremos avaliar o progresso que o Ocidente, o leste e o mundo obtiveram nos últimos dez anos. /

TRADUÇÃO DE ANNA CAPOVILLA

É O FUNDADOR DA EMPRESA ATLANTIC DINNERS. ELE ESCREVE EM SEU BLOG

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