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O fim melancólico de De la Rúa

Por Agencia Estado
Atualização:

Com o peso de duas jornadas de convulsões sociais e mais de duas dezenas de mortos, Fernando De la Rúa renunciou no início da noite desta quinta-feira ao cargo de presidente da Argentina. Em um documento escrito à mão, que enviou ao Congresso, De la Rúa disse que esperava que sua renúncia contribuísse à paz social e pediu a Deus pela felicidade de sua pátria. Desta forma, concluiu um caótico governo de dois anos e dez dias, marcado por um descalabro financeiro e econômico sem precedentes na história do país, além de um aumento recorde da pobreza, que hoje atinge 44% da população. Quando tomou posse, o índice de risco do país para investidores estrangeiros era de 607 pontos; nesta quinta, a taxa bateu em 4.448 pontos. O índice de desemprego era de 13,7% e chegou a 18,3%, embora extra-oficialmente se comentasse que ultrapassaria 21%. De la Rúa partiu em um helicóptero que pousou em cima da Casa Rosada, a sede de governo. Esta foi a primeira vez desde 1976 que este heliponto foi utilizado. A última usuária foi a presidente Maria Estela Martínez de Perón, que a bordo de um helicóptero foi seqüestrada no meio de um golpe militar. O ex-presidente De la Rúa rumou para a residência oficial de Olivos, onde se reuniria com sua família. Seu futuro ? se permaneceria no país ou se partiria ? era um mistério. ?Seu futuro será o de um ex?presidente, que servirá à pátria?, disse em tom épico seu braço-direito, o ex?secretário-geral da Presidência, Nicolás Gallo, que não quis responder qual seria o julgamento que a História faria do governo De la Rúa. ?Melhor não falar sobre isto agora?, disse. Renúncia A renúncia foi decidida depois de enormes pressões populares e políticas e quando cinco mortos eram confirmados nas ruas centrais de Buenos Aires e outros 15 na periferia da capital. O último dia de De la Rúa foi uma tragédia. A polícia montada arremetia enloquecidamente com seus cavalos sobre os manifestantes no meio de uma densa nuvem de gás lacrimogênio que se espalhou em um raio de dez quarteirões. A morte de civis a tiros enfureceu a multidão, transformando o centro da cidade em um campo de batalha. Uma mulher teve um dedo amputado e várias pessoas foram pisoteadas pelos cavalos. O caos aumentou com as notícias de uma nova jornada de saques a supermercados na Grande Buenos Aires, onde também foram saqueadas residências particulares e ônibus. Houve saques em pleno coração da capital, na frente do Obelisco. Última tentativa Depois da demissão de todo o seu gabinete, incluindo o super-ministro e czar da economia, Domingo Cavallo, o presidente tentou nesta quinta-feira recompor o governo com uma equipe de coalizão. Em pronunciamento em rede de rádio e TV, fez um apelo ao Partido Justicialista (oposição) para que aceitasse a missão. Sua última tentativa fracassou com a recusa dos justicialistas, que agora assumem o governo através do presidente do Senado, Ramón Puerta. No meio da tarde o líder da UCR no Senado, Carlos Maestro, já admitia o impasse e confessava ter ouvido de De la Rúa: "Não existe alternativa à minha renúncia". Com a saída de De la Rúa, assume Puerta, senador pela província de Misiones, na fronteira com o Brasil. É solteiro, reconhecido como playboy e fazendeiro de erva-mate. A dúvida era se Puerta convocaria eleições em 60 dias ou se permaneceria na Casa Rosada até o fim do mandato de De la Rúa, em 2003. Além disso, também especulava-se sobre o futuro da economia argentina, especialmente o câmbio. O fim da conversibilidade cambial era uma certeza comentada com intensidade. "De la Rúa vai embora sem devalorizar e deixa este presente de grego para a Assembléia Legislativa", comentou o analista econômico Marcelo Bonelli. Leia o especial

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