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O front invisível da guerra ao terror

Por Timothy Garton Ash
Atualização:

Voltar dos Estados Unidos para a Europa é viajar de um país que pensa que está no front da luta contra o terrorismo jihadista, mas não está, para um continente que está no front, mas ainda não acordou completamente para o fato. Eu me refiro ao front interno; no exterior é outra coisa. Somente um tolo descartaria a possibilidade de um novo ataque terrorista no que agora é designado de pátria americana, mas o fato é que nos seis anos desde os atentados de 11 de setembro de 2001 houve vários ataques importantes (Madri, Londres) e planos frustrados na Europa. Nos Estados Unidos não ocorreram ataques importantes, apenas - até onde sabemos - algumas poucas conspirações evitadas. Todas as evidências sugerem que os muçulmanos americanos estão mais bem integrados que os da Europa ocidental. A prisão, no início do mês, na Alemanha, de um grupo que aparentemente estava planejando um ataque no aniversário do 11 de Setembro sugere que a ameaça ao Heimat é maior do que à pátria americana. Um front invisível corre pelas ruas calmas de cada cidade ou cidadezinha européia onde exista uma população muçulmana significativa. Goste ou não, quer viva em Londres ou Oxford, Berlim ou Neu-Ulm, Madri ou Roterdã, você está nesse front - muito mais do que já esteve durante a Guerra Fria. Essa luta diz respeito, em parte, ao trabalho da inteligência e da polícia para impedir os que já se tornaram jihadistas fanáticos, violentos, de explodir-nos na estação de St. Pancras, no centro de Londres, ou na Gare du Nord, em Paris. Os europeus não muçulmanos comuns pouco podem fazer para ajudar nesse trabalho, além de preocupar-se com a redução das liberdades civis. Os europeus muçulmanos comuns, pacatos, cumpridores da lei, podem fazer um pouco mais. A maior parte dessa luta, e a mais importante a longo prazo, é a batalha pelos corações e mentes dos jovens muçulmanos europeus - geralmente homens - que ainda não são jihadistas fanáticos violentos, mas podem vir a ser. Por todo o continente europeu, e ao redor de suas bordas, existem centenas de milhares de homens jovens muçulmanos que poderiam seguir um dos caminhos. Poderiam tornar-se os terroristas de amanhã, ou poderiam tornar-se bons cidadãos, financiadores de nossos periclitantes sistemas estatais de pensão, europeus de amanhã. A química aqui pode ser compreendida um pouco melhor recordando a última onda de terrorismo jovem, no "outono alemão" de 30 anos atrás, e as Brigadas Vermelhas na Itália. Quando morei em Berlim, no final dos anos 70, conheci algumas pessoas que me disseram: "Sabe, houve um momento em que eu poderia ter ido para o outro lado." Elas poderiam ter ingressado na Facção do Exército Vermelho, como os conhecidos de seus conhecidos, Horst Mahler e Ulrike Meinhof. Em vez disso, essas pessoas se tornaram jornalistas, acadêmicos ou advogados, e hoje são pilares de uma sociedade sob ataque de outra onda de terrorismo, potencialmente mais destrutiva. Evidentemente, não podemos levar a comparação longe demais, mas uma característica básica é a mesma: além do núcleo duro de fanáticos existe uma penumbra de indivíduos que poderiam ir para um lado ou para o outro. Na Alemanha, eles existem e são chamados de Sympathisanten, os simpatizantes. Entre os muçulmanos europeus, eles poderiam ser muito grosseiramente relacionados aos que, em pesquisas, recusam-se a condenar os atentados suicidas, embora esse número seja inflado pelas atitudes em relação aos palestinos. Um analista calcula que, embora o núcleo duro possa abarcar 1% dos muçulmanos britânicos, a penumbra de Sympathisanten, o grupo que pode ir para um ou outro lado, talvez seja de 10%. Quando se observam as biografias dos assassinos jihadistas nos últimos seis anos, do terrorista do 11/9 Mohammed Atta, radicalizado em Hamburgo, a Mohammed Bouyeri, assassino do cineasta holandês Theo van Gogh, descobre-se sempre a mesma história: jovens que foram atraídos inicialmente para um estilo de vida moderno, ocidental, muito diferente do de seus pais, mas depois o rejeitaram raivosamente em favor de uma versão extremista, violenta, do islamismo político. Felizmente, há também pessoas que seguem o outro caminho. Em The Islamist, de Ed Husain, tem-se um relato esclarecedor de como um jovem britânico foi sugado para o islamismo extremista, mas depois se afastou dele, embora permanecesse muçulmano. Muita coisa depende agora de se os 10% se inclinarão para o bárbaro 1% ou, como Ed Husain, se unirão à maioria civilizada. (Não se trata de um choque de civilizações; trata-se de um choque entre civilização e "descivilização"). IRAQUE O Iraque é um espetáculo secundário nessa luta maior. O presidente George W. Bush ainda pode alegar que o Iraque é o front na guerra contra o terror ("se não os pararmos ali, eles virão nos buscar aqui"), mas mesmo alguns de seus veteranos comandantes não acreditam nisso. O certo é que agora existe uma Al-Qaeda no Iraque, quando não existia antes da invasão. A guerra no Iraque tornou-se um agravo adicional para muçulmanos ressentidos de toda parte, citada pelos terroristas dos atentados em Londres, embora se deva notar que a não participação da Alemanha na guerra do Iraque não a manteve segura. Não devemos tampouco desviar os olhos da nova verdade desconfortável de que uma retirada americana do Iraque será celebrada por jihadistas violentos como uma vitória de Bin Laden. Mas a verdade maior é que um soldado britânico que retorne de Basra para Bradford (cidade com grande população muçulmana) estará vindo de um front para outro. Esse front invisível não é militar, mas político-cultural, e acabará sendo mais decisivo para derrotar a isca do modo de morte jihadista. O soldado de retorno poderá fazer mais para reduzir a ameaça do terrorismo na Grã-Bretanha com sua atitude como paisano ante muçulmanos britânicos em seu pub local do que qualquer coisa que tenha feito, de arma na mão, em Basra. O Afeganistão é outra coisa. Desenraizar a Al-Qaeda original e vencer o ressurgente Taleban é parte do combate ao terrorismo jihadista, também na Europa. Assim como tentar mudar a mistura venenosa de religião radical e política no Paquistão e na Arábia Saudita. O homem que parece ter sido um líder do grupo extremista alemão, um convertido ao Islã chamado Fritz Felowicz, foi radicalizado no Multi-Kultyur-Haus (outro golpe no bom nome do multiculturalismo) em Neu-Ulm por instrutores da tóxica seita islâmica dos wahabitas, financiada por aquele grande aliado americano, a Arábia Saudita, onde essa corrente está baseada. Depois, Felowicz teria ido para um treinamento em língua árabe na Síria e um treinamento terrorista nas regiões fronteiriças do Paquistão, num acampamento dirigido pela União da Jihad Islâmica, um grupo originalmente usbeque. Segundo fontes alemãs, as instruções para lançar o ataque de aniversário vieram por e-mail do Paquistão. Assim, em sua patologia, a ameaça que enfrentamos é tanto internacional como intranacional, tanto global como local. A morte nos chega de Neu-Ulm via Waziristão. O front invisível está a 8 mil quilômetros de distância - e bem na frente de nosso nariz. Se formos calmos, atentos e resolutos, poderemos vencer essa luta e continuar livres. Um continente que se livrou dos horrores de imperialismo, fascismo e comunismo se livrará dessa ameaça menor também. Mas o enfrentamento durará muitos anos e será melhor nos preparamos para ele. TRADUÇÃO DE CELSO MAURO PACIORNIK *Timothy Garton Ash é historiador britânico

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