O futuro do acordo nuclear com o Irã

Não há garantias de que um pacto definitivo seja alcançado até junho, muito menos de que Teerã cumprirá sua parte e congelará realmente seu programa

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Por RICHARD N. , HAAS e PROJECT SYNDICATE
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"A teoria, na prática, é outra", diz o ditado. De fato, o que se considera que esteja resolvido e assegurado, na realidade, pode não ser nem uma coisa nem outra. Se na língua farsi não há uma expressão equivalente, prevejo que, dentro em breve, ela passe a existir.Evidentemente, o motivo disso está nos parâmetros de um abrangente plano de ação referente ao programa nuclear do Irã, o arcabouço que acaba de ser adotado por Teerã e pelo P5+1 (os cinco membros do Conselho de Segurança da ONU - China, Grã-Bretanha, França, Rússia e EUA - mais a Alemanha). O acordo, que constitui um importante marco histórico, político e diplomático, contém mais detalhes e tem uma abrangência maior do que muitos previram.Com isso, o texto deixa sem resposta pelo menos o mesmo número de questões que poderá solucionar. De fato - e como as próximas semanas, meses e anos demonstrarão - ainda não foi acertada a maior parte delas. Mais próximo da verdade é dizer que o debate fundamental sobre o acordo nuclear com o Irã mal começou.O acordo preliminar aprovado estabelece limites significativos ao programa nuclear do Irã, incluindo o número e o tipo de centrífugas, o tipo de reatores, a quantidade e a qualidade de urânio enriquecido de que o país poderá dispor. Foram fixadas as normas sobre as inspeções necessárias para saber se o Irã está cumprindo suas obrigações. Ficou ainda estabelecido o abrandamento das sanções econômicas assim que seja constatado que o Irã honra seus compromissos.Pressupõe-se que o monitoramento detectará o não cumprimento por parte do Irã de suas obrigações com antecipação suficiente para permitir uma resposta internacional coordenada, particularmente a reintrodução de sanções antes que o Irã chegue a obter armas nucleares.Existem cinco razões para supormos que o acordo não entrará em vigor ou terá as consequências desejadas. A primeira diz respeito aos próximos 90 dias. O que foi anunciado é um pacto provisório. Um acordo formal, abrangente, será concluído no final de junho. No meio tempo, poderão ocorrer mudanças de estratégia e de intenções, pois, ao voltarem a seus países, os que negociaram o acordo provisório enfrentarão as críticas dos governos e do público a respeito das condições. Já começaram a surgir divergências no modo como os EUA e o Irã estão expondo o que foi negociado.Uma segunda preocupação decorre das questões específicas que ainda não foram resolvidas. A mais difícil é talvez o prazo no qual as várias sanções econômicas deverão ser levantadas - a questão mais grave para o Irã. Ocorre que essas sanções são as que mais influem no comportamento iraniano, o que implica que nos EUA e na Europa muitos querem que elas continuem vigorando até que o Irã cumpra integralmente suas obrigações fundamentais.Um terceiro motivo de dúvidas é a possibilidade de as várias partes aprovarem um pacto de longo prazo. As duas principais incertezas envolvem o Irã e os EUA. A chamada linha dura iraniana indubitavelmente levantará objeções a um acordo com o "Grande Satã" que estabelece limites às ambições nucleares de seu país. Os iranianos, porém, também desejam libertar-se das sanções econômicas e o Irã só aprovará um pacto se o líder supremo, o aiatolá Ali Khamenei, mostrar-se favorável, como provavelmente está.As incertezas são maiores nos EUA. O presidente Barack Obama enfrentará um ambiente político muito mais complexo, a começar pelo Congresso americano. Existem profundas e compreensíveis preocupações com o fato de se deixar certa capacidade nuclear ao Irã, com a adequação da capacidade de monitoração e inspeção, e com o que acontecerá daqui a 10, 15 ou mesmo 20 anos, quando expirarem as várias limitações impostas ao Irã. Não há garantias de que o Congresso se convença a aprovar o pacto final e o levantamento das sanções não está garantido.A aprovação política é um problema estreitamente ligado a uma quarta área de preocupação: a adoção de um acordo final. O que se conhece sobre controle de armamentos sugere que haverá ocasiões em que o Irã, que costuma ocultar informações relevantes dos inspetores de armas da ONU, será suspeito de não cumprir a letra e muito menos o espírito do que foi negociado. O acordo é imprescindível para que se possa julgar o comportamento iraniano e determinar as respostas apropriadas.A quinta preocupação decorre não tanto do acordo, mas de todo o restante que diz respeito à política externa e de defesa do Irã. O acordo não se refere apenas às atividades nucleares iranianas. Ele não menciona os programas de mísseis do Irã ou o apoio a terroristas ou a outros grupos que Teerã vem financiando no Oriente Médio e muito menos o que o país está fazendo na Síria, no Iraque, mesmo no Iêmen ou em qualquer outro lugar da região - ou mesmo a respeito da questão interna dos direitos humanos.O Irã deseja se tornar uma potência imperial e busca a primazia regional. O próprio acordo nuclear assinado e aplicado não afetará esta realidade e poderá até agravá-la, pois o Irã poderá melhorar sua reputação e apresentar uma opção de longo prazo para a construção de armas nucleares.Obama tem razão. Um acordo nuclear como o que foi elaborado é preferível a uma situação em que o Irã disponha de armas nucleares ou a entrar em guerra para impedir que isso aconteça. Por outro lado, qualquer acordo deverá também produzir uma ampla confiança nos EUA e na região quanto à fixação de um limite significativo ao programa nuclear do Irã e ao fato de que toda trapaça será descoberta rapidamente e encarada com a maior firmeza. Não será fácil. Na realidade, não é um exagero prever que o esforço para criar tal confiança poderá se revelar tão exigente quanto as próprias negociações. / TRADUÇÃO DE ANNA CAPOVILLAÉ PRESIDENTE DO CONSELHO DE RELAÇÕES EXTERIORES E AUTOR DO LIVRO "FOREIGN POLICY BEGINS AT HOME: THE CASE FOR PUTTING AMERICA'S HOUSE IN ORDER"

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