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O futuro do Líbano

Será o fim de um longo e penoso período de estagnação para o Líbano, país que sofreu há anos as graves consequências da guerra que grassa na vizinha Síria? É o que permitem crer dois acontecimentos de grande importância, ocorridos a poucos dias, ambos situados sob o signo da negociata, arte na qual os orientais costumam se destacar.

Atualização:

O primeiro diz respeito à segurança: a libertação, na segunda-feira, de 16 militares e policiais libaneses reféns dos radicais da Frente al-Nusra (ramo sírio da Al-Qaeda), num enclave que eles ocupam na fronteira entre Líbano e Síria. Dois prisioneiros foram executados pelos sequestradores para forçar as autoridades libanesas a atender suas exigências.

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No fim, os terroristas obtiveram, em troca dos seus reféns, a libertação de 19 pessoas, três das quais estavam presas na Síria, mas também um corredor terrestre que lhes permitirá retirar com segurança seus feridos rumo à Turquia, através do território sírio. Segundo boatos, a Al-Nusra teria embolsado a bela soma de US$ 25 milhões, pagos pelo Catar. Na realidade, não haveria nada de surpreendente, porque este país, que serviu de intermediário entre Beirute e a Al-Nusra, é o principal financiador do grupo sunita radical.

Em razão de todas essas vantagens concedidas aos sequestradores, os xiitas do Líbano não se associaram à explosão de alegria oficial e popular que saudou a libertação dos reféns. Servindo de porta-voz, o presidente da Assembleia Nacional, Nabih Barry, deplorou o que qualificou de atentado contra a soberania. Entretanto, o governo e o Exército finalmente se livraram – pela metade – de um problema espinhoso. 

Pela metade porque resta negociar a libertação de nove militares presos por um bando ainda mais temível do que a Frente al-Nusra: o Estado Islâmico. Desta vez, será bem difícil encontrar um governo árabe que aceite fazer abertamente o papel do mediador.

No entanto, trata-se de uma tentativa repentina de desbloquear a crise presidencial que ocupa o centro do cenário político libanês. Desde agosto de 2014, quando acabou o mandato do presidente Michel Sleiman, a presidência, tradicionalmente destinada aos cristãos maronitas, está vaga e nenhum dos dois blocos políticos rivais consegue reunir o quórum parlamentar que permita proceder à eleição do seu representante.

Os únicos na disputa, até recentemente, eram os dois irmãos inimigos Michel Aoun e Samir Geagea. O primeiro tinha o apoio da Aliança 8 de março, chefiada pelo Hezbollah xiita e aliada do Irã e da Síria. O segundo desfruta há muito tempo do apoio do bloco, aliado do Ocidente e da Arábia Saudita, e cujo líder é o sunita Saad Hariri, filho do ex-primeiro-ministro assassinado em 2005.

No inicio de novembro, o líder do Hezbollah, Hassan Nasrallah, surpreendeu ao declarar que estava disposto a negociar uma solução global da crise que incluísse não apenas a eleição de um presidente, mas também a formação de um governo de união e a elaboração de uma nova lei eleitoral que garantisse uma representação efetiva das diversas comunidades religiosas do país. 

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Aproveitando a oportunidade, Hariri surpreendeu, dez dias mais tarde, ao concluir um acordo impensável com o líder cristão do Norte do Líbano, Suleiman Frangieh, embora membro ativo do bloco adversário. Em troca do seu apoio na corrida à presidência, Hariri, que vive no exílio, entre Paris e Riad, aparentemente obteve garantias quanto a sua segurança pessoal, além da certeza de ser escolhido para formar um novo governo.

O acordo foi bem recebido pela Igreja maronita, que nos últimos meses exortou os deputados a escolherem um presidente. Igualmente, e sem citar diretamente Frangieh, diversos países, como França, Irã e Arábia Saudita, compartilharam do seu otimismo.

Por outro lado, o acordo não deixou de semear a confusão entre os dois campos. Hariri terá muito trabalho para convencer suas próprias tropas da oportunidade de sua aposta em Frangieh: neto do presidente, ex-chefe de milícias. 

Ele prometeu que será o presidente do todos os libaneses, mas dificilmente poderá fazer com que os céticos esqueçam a estreita amizade que o liga ao ditador sírio, Bashar Assad. A mesma tarefa também é complicada para o Hezbollah. Ao se alinhar a Frangieh, o grupo xiita corre o risco de perder Michel Aoun, o único aliado cristão de peso que ele tem. /TRADUÇÃO DE ANNA CAPOVILLAÉ COLUNISTA DO 'ESTADO' E JORNALISTA RADICADO EM BEIRUTE

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