''O Hamas tem se mostrado muito moderado e pragmático''

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Por Lourival Sant'Anna
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ENVIADO ESPECIAL / GAZAAhmed Yousef, EX-CONSELHEIRO DO PREMIÊ DA FAIXA DE GAZA, ISMAIL HANIYEHSe não reconhecer o Hamas como parte do futuro Estado palestino, a comunidade internacional terá de aceitar a Irmandade Muçulmana - da qual o grupo palestino provém - nos países árabes que estão vivendo revoluções pró-democracia. O raciocínio é de Ahmed Youssef, até dois meses atrás conselheiro político do primeiro-ministro da Faixa de Gaza, Ismail Haniyeh, dirigente do Hamas. Em entrevista ao Estado, Youssef, uma das vozes moderadas do grupo, que dirige o Instituto Palestino para Estudos de Resoluções de Conflitos e Governança, ligado ao movimento, diz ter recomendado aos dirigentes do Hamas e do Fatah a reconciliação. Para Yousef, a primavera árabe e o fracasso das negociações de paz entre o Fatah e Israel tornaram possível o acordo. Ele reconhece também que o apoio da Síria, em meio à repressão contra sua população, constrange o Hamas.Quais as condições que tornaram o acordo possível?Em primeiro lugar, as revoluções nos países árabes, especialmente no Egito. O Hamas não confiava no regime de (Hosni) Mubarak (presidente do Egito deposto em fevereiro). Em segundo lugar, a frustração de (Mahmoud) Abbas (presidente da Autoridade Palestina e líder do Fatah) com o fracasso do processo de paz com Israel. Além disso, e talvez esse seja o fator mais importante, há o movimento da juventude, que a partir de 15 de março passou a reivindicar o fim da divisão. Haniyeh fez um discurso ao meio-dia naquela primeira manifestação na Praça do Soldado Desconhecido convidando Abbas a vir à Faixa de Gaza. Abbas respondeu na mesma noite, aceitando o convite.É problemático para o Hamas ser apoiado pela Síria enquanto seu regime está matando civis?Claro que é constrangedor para o Hamas. O Hamas está esperando para ver o que acontece na Síria. Mas claro que não é uma situação confortável.O líder do Hamas, Khaled Meshaal, poderia se transferir de Damasco para o Egito ou Gaza?Tudo é possível. Se a Síria continuar instável, ele pode querer sair de lá. Os candidatos do Fatah (expulsos de Gaza pelo Hamas em 2007) poderão voltar para fazer campanha no ano que vem?Claro. Depois da formação do gabinete, haverá anistia geral. O Hamas está enfrentando dificuldade de controlar os salafitas (radicais islâmicos que mataram o jornalista italiano Vittorio Arrigoni há um mês)?Eles são uma pequena minoria, que explorou a polarização Fatah-Hamas. Com a reconciliação, não serão capazes de fazer mais nada. A imposição da lei e da ordem ficará clara. Não poderão mais se esconder.O Hamas perseguiu a ONG Sharek acusando-a de violar costumes islâmicos, colocando meninas e meninos juntos. O Hamas quer impor o cumprimento rigoroso das normas islâmicas?Não foi só por isso que as atividades da Sharek foram suspensas. Foi para averiguar irregularidades nas suas finanças, Eles têm sorte de ninguém ter sido preso. Você vê na praia homens e mulheres juntos. Meninos e meninas brincam no mesmo parque. Agora, a sociedade palestina é conservadora. Aqui não é o Rio de Janeiro. E isso não tem a ver com o governo.Como o Hamas convencerá a comunidade internacional a aceitar seu papel?O Hamas tem sido muito moderado. Mostrou disciplina e pragmatismo nos últimos anos. A bola agora está no campo dos ocidentais. Se não reconhecerem o Hamas hoje vão ter de reconhecer a Irmandade Muçulmana no Egito, Tunísia, Síria, Iêmen... A mudança virá em todos os países árabes. São todos antidemocráticos e violadores dos direitos humanos. O Hamas aceita a manutenção de Salam Fayyad no cargo?É preciso que todos sejam realistas e racionais e apoiem Fayyad. Até porque é por pouco tempo. Ele está bem estabelecido no governo, começou um programa e quer terminar. Seria um desperdício colocar alguém diferente.O Hamas foi eleito com a promessa de combater a corrupção, e agora é acusado de corrupção. O poder o corrompeu?Esse é um dos problemas de se ter poder absoluto. Por isso o acordo será bom para todos.Então, por que demoraram tanto em firmá-lo?Por falta de consciência política. Em um documento confidencial, adverti no ano passado Meshaal, Haniyeh e Abbas que a divisão comprometia o futuro dos palestinos e só Israel ganhava com ela. Exortei todos a esforçar-se para atingir a união. Depois do acordo, publiquei esse documento em forma de livro.

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