O impacto da possível derrota de Obama

Se os americanos perderem a chance e escolherem McCain, estarão dando as costas ao mundo

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Por Jonathan Freedland
Atualização:

Uma América que desdenha de Barack Obama por causa do seu apoio global corre o risco de transformar o sentimento atual anti-Bush em coisa muito pior. A sensação é familiar. Eu a senti há quatro anos e outra vez quatro anos antes daquela: uma sensação de apreensão no estômago. É um tipo de pessimismo fisiológico que diz: "Ó não, está acontecendo novamente. Os democratas estão prestes a perder uma eleição que deveriam ganhar - e não poderia ser mais importante." Pessoalmente, não estou tão preocupado com as chances de Obama quanto estive em relação às chances de John Kerry em 2004 e de Al Gore em 2000. Ele é um candidato melhor do que estes dois colocados juntos, e todas as evidências empíricas dizem que este é o ano mais favorável aos democratas desde 1976. Ainda assim, não consigo me livrar da sensação lúgubre. Observemos as pesquisas de opinião de 9 de setembro, que deram a John McCain uma pequena vantagem sobre este. Levando-se em conta a já bem documentada tendência dos candidatos afro-americanos de obterem melhor resultado nas pesquisas do que nas urnas - graças a pessoas que dizem que vão votar num candidato negro, mas não o fazem -, isto sugere que Obama está agora muito atrás. Ainda mais preocupante é a pesquisa ABC News/Washington Post que descobriu uma vantagem de McCain entre as mulheres brancas, com 53% das intenções de voto contra 41% de Obama. Duas semanas atrás, Obama tinha uma vantagem de 15% entre as mulheres. Há uma única explicação para esta reviravolta, e não é o discurso sedativo de McCain na Convenção Republicana: a liderança de Obama foi esmagada pelo fator Sarah Palin. Assim, meu pessimismo é compreensível. Mas é agora somado a uma frustração cada vez maior. Observo enquanto os democratas cambaleiam, sem saber qual a melhor maneira de atacar Sarah Palin. Se combaterem com muita força, a máquina republicana, ecoada pelos direitistas e comentaristas conservadores dos programas de rádio e tevê a cabo, vai rotular os democratas de esnobes elitistas e sexistas, tratando com condescendência uma mulher provinciana. Se nada fizerem, a ascensão de Sarah seguirá avançando sem encontrar obstáculos, tão inovadora que, perto dela, até Obama parecerá desinteressante, a energia dela de grande estrela energizando e motivando a base republicana. MARCHA Assim, de alguma maneira Sarah acabará escapando ao alcance, imune a qualquer revelação bombástica - não importa o quanto faça cair o queixo ou o quanto possa encerrar a carreira de outros políticos, no caso dela, não provocaria dano suficiente para retardar a aparente marcha de Sarah rumo ao poder, arrastando o nada carismático McCain atrás de si. Sabemos que um dos primeiros atos de Sarah enquanto prefeita de Wasilla, no Alasca, foi perguntar à bibliotecária qual era o procedimento a ser adotado para a proibição de livros. Ah, mas era uma pergunta "retórica", diz a campanha McCain-Palin. Sabemos que Sarah está mentindo quando diz que foi contra o famoso projeto de US$ 400 milhões para a construção da "Ponte para Lugar Nenhum" no Alasca - na verdade, ela fez campanha pelo projeto -, mas, mesmo assim, ela continua a repetir esta alegação. Ela denuncia a interferência de interesses especiais em Washington - mas contratou lobistas caros para garantir que o Alasca recebesse uma porção do orçamento federal maior do que qualquer outro Estado da União. Ela diz ser uma conservadora fiscal, mas deixou Wasilla atolada em dívidas que a cidade nunca teve antes. Ela até cobrou diárias - dinheiro dos contribuintes destinado às viagens do gabinete - enquanto estava morando na própria casa. Mas ainda assim nada disto está afetando substancialmente sua imagem. O resultado é que uma política chamada pelo autor de blogs conservadores Andrew Sullivan de "Cristianista" - alguém que tenta politizar a cristandade assim como os islamitas politizam o Islã - poderia logo estar a um passo da presidência. Lembre-se, estamos falando de uma mulher que certa vez se dirigiu a uma congregação religiosa dizendo do seu trabalho enquanto governadora - o transporte, a educação e as medidas públicas - "na verdade nada disto importa se o povo do coração do Alasca não parecer correto aos olhos de Deus". Se Sarah Palin desafiar o senso comum de que as eleições são determinadas pelos candidatos principais, e de alguma forma ganhar a votação para McCain, qual será a reação? Os democratas anti-Bush ficarão novamente de luto, sentindo-se alienados no próprio país. Uma geração de jovens americanos - que apóiam Obama em massa - se tornará cínica, concluindo que a política não funciona afinal. E, o mais deprimente, muitos afro-americanos decidirão que se nem Barack Obama - com todas as suas qualidades evidentes - não foi capaz de vencer, então nenhum negro jamais conseguirá se eleger presidente. Mas e quanto ao resto do mundo? Esta é a reação que mais temo. Pois Obama provocou uma excitação em todo o mundo muito superior a qualquer outro político americano na história. As pesquisas de opinião na Alemanha, França, Grã-Bretanha e Rússia mostram que Obama venceria por maioria esmagadora, repetindo-se o mesmo padrão na África, Ásia, Oriente Médio e América Latina. Se no dia 4 de novembro a eleição fosse mundial, Obama venceria com facilidade. Se o mundo livre pudesse escolher o seu líder, este seria Barack Obama. A multidão de 200 mil pessoas que se reuniu para ouvi-lo em Berlim no mês de julho não o fez simplesmente por causa do seu carisma, mas também porque sabem que ele, assim como a maioria da população do mundo, se opôs à guerra no Iraque. McCain a apoiou, vendendo a mentira de que Saddam estava ligado ao 11 de Setembro. Os não-americanos têm a sensação de que Obama não tratará aos pontapés o sistema internacional, mas considerará as alianças e instituições globais com seriedade: McCain quer passar ao largo das Nações Unidas em prol de uma Liga das Democracias, favorável aos EUA. McCain pode ter um bom papo sobre mudança climática, mas um cântico repetido entre os freqüentadores da Convenção Republicana era "Perfure, baby, perfure!" - como se a solução para o aquecimento global não fosse uma reavaliação radical de todo o sistema energético americano, mas a construção de mais plataformas petrolíferas fora do país. MUDANÇA Se os americanos escolherem McCain, estarão dando as costas ao resto do mundo, optando por nos mostrar durante mais quatro anos o dedo de Bush-Cheney. E prevejo uma mudança bastante desagradável. Até agora, o antiamericanismo foi exagerado e muito incompreendido: fora de um núcleo esquerdista, tratou-se principalmente de um sentimento anti-Bush, oposição a uma administração específica. Mas se McCain vencer em novembro, isto pode muito bem mudar. De repente os europeus e os outros cidadãos do mundo concluirão que o seu problema não é com uma claque de poderosos, mas com os próprios americanos. Pois terá sido o povo americano, e não os políticos, quem terá perdido a chance - a única em toda uma geração - de recomeçar do zero. Um recomeço pelo qual o mundo anseia. E a maneira com que esta decisão for tomada também é importante. Se for determinado que o fator decisivo foi o racial - que Obama foi rejeitado por causa da cor de sua pele -, o veredicto do mundo será severo. Em tais circunstâncias, segundo escreveu recentemente Jacob Weisberg, da revista Slate, a opinião internacional concluiria que "os Estados Unidos tiveram o seu tempo, mas afinal não foram capazes de colocar o seu interesse próprio acima da sua louca irracionalidade a respeito das raças". Mesmo que não seja o preconceito étnico, mas outro aspecto da guerra cultural que se mostre decisivo, a argumentação se mantém. Se a América tomar uma decisão tão importante quanto esta - enquanto o planeta ferve e os EUA combatem em duas guerras - com base na sabedoria trivial de que uma mãe de jogador de hóquei é fácil de se gostar e parece ter os pés no chão, isto transmitiria uma falta de seriedade, uma fuga da realidade, coisa que de fato sugere uma nação, parafraseando Weisberg, em "declínio histórico". Não podemos esquecer que o chefe de campanha de McCain repete que nesta eleição "os temas políticos não são o mais importante". É claro que sei que a simples menção ao apoio a Obama em todo o mundo só serve para prejudicá-lo. Por incrível que pareça, aquela imensa multidão em Berlim atrapalhou Obama em casa, dando a ele o rótulo de "candidato da Europa" e fazendo com que parecesse um americano menos patriótico. Mas o que isto diz a respeito da América de hoje? Que agora a estima mundial não é mais desejada? Se os americanos rejeitarem Obama, estarão mandando ao resto de nós a mensagem mais clara possível - e não se enganem, nós a entenderemos perfeitamente.TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL *Jonathan Freedland é colunista do jornal inglês ?The Guardian?

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