O índice de confiança

Obama perdeu sua retórica de mudança, mas Romney nunca esboçou uma, nem sequer sobre economia, sua especialidade

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Por Maureen Dowd
Atualização:

WASHINGTON - Não é engraçado? Dois candidatos introspectivos se enfrentam sob as luzes mais brilhantes dessa campanha eleitoral em busca da presidência. Mitt Romney e Barack Obama são extremamente interessantes quando aparecem ao lado da respectiva família. Infelizmente, nem sempre podemos vê-los desse ponto de vista privilegiado. Além desse círculo de confiança, ambos parecem fechados em suas exclusivas espaçonaves. A grande diferença, a única que provavelmente decidirá a corrida presidencial, é essa: Barack Obama é capaz de transmitir uma impressão de confiabilidade aos eleitores. Considerando como ele é cioso de sua privacidade, um enigma mesmo para certas pessoas próximas a ele, seu desempenho é incrível. Olhando mais de perto, essa confiabilidade se esvai. O presidente conseguiu sobreviver a uma formação que Michelle definiu como de uma pessoa "criada por lobos". Ele preservou uma capacidade monástica que o sustentou nos anos da solidão durante os quais viveu em Nova York. Seu "sorriso de vencedor", como Jonathan Alter escreveu em The Promise, "ocultava uma camada protetora de gelo". Seus assessores o respeitam, mas ele não inspira a adoração de que o presidente George W. Bush desfrutava. E o romance com a imprensa acabou. Amy Chozick, do jornal The New York Times, escreveu que o presidente "acredita que a mídia contribuiu para frustrar suas ambições de mudar as condições do debate político no país". Às vezes, ele pode ser suscetível e inseguro, mas irradia autossuficiência e é dono de uma estética tão clean e simples, que poderia ter sido projetado por Steve Jobs, a Siri (comando de voz do iPhone) sem o calor humano. Déficit. Uma pesquisa realizada pela Purple Strategies perguntou aos entrevistados qual dos candidatos se pareceria mais com a Apple, na sua opinião, e foi Obama, naturalmente, quem apareceu na frente. Entretanto, os eleitores percebem algo genuíno e é por isso que ele está sobrevivendo à economia mal parada e à sua observação inteligente: "Se você tem um empreendimento, não foi você que o criou. Alguém mais fez com que ele ocorresse." Uma recente pesquisa do USA Today/Gallup mostrou que Romney recebeu notas mais altas com relação ao tratamento do déficit, do emprego, dos impostos e da economia. No entanto, Obama o superou nas características pessoais, mantendo uma vantagem de 30 pontos porcentuais em popularidade, confiança e empatia. Quando John Glenn concorreu à presidência, o ex-astronauta arrancou mais aplausos quando subiu ao palco do que quando saiu. Romney começou como um candidato desestimulador e, agora, faz Willy Loman parecer o rei da festa. Obama é introspectivo e elegante. Romney é introspectivo e desajeitado. Queda. Os assessores de Romney atribuíram sua recente queda nas pesquisas à agressiva propaganda de Obama e à retração econômica típica do verão, mas não tanto à monotonia de Mitt. Talvez os eleitores imaginem que Romney já esteja tão protegido em suas bolhas secretas - a empresa Bain, a religião mórmon, seu mandato de governador de Massachusetts, um Estado liberal - que elegê-lo para a bolha maior de todas, a Casa Branca, não seria uma boa ideia. Até os republicanos, aparentemente, desistiram de defender o charme de Mitt. Como o deputado John Boehner disse em uma frase memorável: "O povo americano, provavelmente, não cairá de amores por Mitt Romney". Segundo alguns, Romney esperou demais para mandar ao ar os vídeos sobre a sua vida e conceder entrevistas pessoais, permitindo que ele fosse definido e enlameado pela propaganda de Obama. "O pessoal de Obama pode levantar a bandeira da 'Missão Cumprida' nos próximos meses", disse Rahm Emanuel, prefeito de Chicago e ex-chefe de gabinete de Obama. "Com a ajuda do próprio Romney, ele definiu o seu adversário como um homem que tem total menosprezo pelas lutas da classe média." Quando um candidato está em vantagem na pergunta "Com quem você gostaria de tomar uma cerveja?", mesmo que a pessoa não goste de cerveja, será muito difícil reverter a vantagem. Quando Obama usa uma propaganda agressiva, consegue dissipar o temor de que seja o tipo de pessoa que se deixa enrolar pelos bancos, pelos generais, pelos republicanos na Casa Branca. Quando a propaganda de Romney é agressiva, ela reforça o temor de que seja um sujeito insensível, até mesmo prepotente, que tem atrás de si a máquina mercadológica de mercenários políticos. Popularidade. A apenas duas semanas da convenção partidária, a pergunta persistente é: "Será que o companheiro de chapa de Mitt, o parlamentar Paul Ryan, de Wisconsin, poderá tornar sua candidatura mais simpática?" Um candidato pode reforçar sua confiabilidade com um companheiro de chapa que pertença, pelo menos, a determinada faixa etária, como Obama fez com Joe Biden. No entanto, os americanos têm uma queda para gostar de seu presidente. "Não se pode apostar em terceiras pessoas para atrair confiabilidade", diz Emanuel. "Não se pode ter uma conta de confiabilidade offshore nas Bahamas ou nas ilhas Cayman." A rigidez de Romney, com base totalmente na empresa e na família, o faz parecer inacessível. E sua prestidigitação o faz parecer suspeito. Uma boa definição dele foi feita por Marc Wolpow, um ex-funcionário de Romney na Bain Capital, em artigo no Boston Globe sobre o acordo firmado por Mitt, em 1988, com Michael Milken, quando o rei dos títulos de alto risco estava sob investigação federal. "A vida toda, Mitt buscou um equilíbrio entre o medo e a cobiça. Ele sabia que precisava ganhar muito dinheiro para lançar sua carreira política. É muito difícil ganhar muito dinheiro sem assumir riscos em relação à própria reputação." Na edição do Wall Street Journal de quinta-feira, Karl Rove pediu a Mitt que revelasse finalmente seu caráter, no discurso preparado para a convenção, falando abertamente sobre a "origem modesta de seu pai, sobre a doença de sua mulher e sobre sua riqueza". Obama perdeu o fio de sua retórica de esperança e mudança, mas Romney nunca chegou a esboçar uma retórica, nem mesmo sobre sua especialidade, a economia. / TRADUÇÃO DE ANNA CAPOVILLA* É COLUNISTA

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