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'Irã já passou o seu recado para o Brasil, e ele foi entendido’, diz analista

Doutor em ciência política, Gunther Rudzit avalia os efeitos para o Brasil no conflito entre Irã e Estados Unidos 

Foto do author João Ker
Por João Ker
Atualização:

"O governo Bolsonaro está no fio da navalha”, acredita Gunther Rudzit, doutor em ciência política e professor de relações internacionais da ESPM. De acordo com ele, o conflito entre Estados Unidos e Irã posiciona o Brasil no meio de uma disputa poderosa, na qual ambos os lados estão de olho no que acontece por aqui, com grande capacidade para infligir consequências econômicas aos nossos cofres.

Para Rudzit, a convocação da embaixadora Maria Cristina Lopes à sede iraniana no Teerã é uma forma de o país deixar claro que tem prestado atenção nas declarações do presidente Jair Bolsonaro. Nesta segunda-feira, 6, o Itamaraty, emitiu nota oficial em que disse apoiar a “luta contra o flagelo do terrorismo”, condenando o ataque à Embaixada dos Estados Unidos em Bagdá, mas não condenando a morte do general Qassim Suleimani

O presidente Jair Bolsonaro assiste ao pronunciamento de Trump sobre o bombardeio iraniano, e transmite em suas redes sociais Foto: Facebook/Jair Bolsonaro

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“A convocação da embaixadora, mesmo que tenha sido com outros países além do Brasil, mostra muito bem que o governo iraniano acompanha [o que acontece aqui]. Essa é a função número 01 de toda embaixada”, afirma Rudzit, que já estagiou na embaixada brasileira em Washington. “Lógico que há interesse iraniano e ele vai deixar isso muito claro, porque há um mercado importante para trigos e cereais”, completa. 

Apenas em 2019, o Irã foi o quinto maior destino dos nossos produtos agrícolas, importando o equivalente a US$ 2,38 bilhões e recebendo do Brasil o equivalente a US$ 39,92 milhões.  Ao todo, a relação gerou um superávit de US$ 2,2 bilhões para os cofres brasileiros. “O Irã sabe bem disso e vai pressionar sim. Todo cuidado é pouco”, alerta o professor.

Ao mesmo tempo, Rudzit pede cautela ao lidar com os EUA, considerando a ameaça de Donald Trump retomar as tarifas sobre aço e alumínio do Brasil como um alerta. “A não efetivação dos aumentos mostra que o governo americano também está de olho no que o Brasil faz. [O episódio] não teve um timing à toa. Tanto que Trump só anunciou. Logo depois, teve a reunião dos BRICs, onde o presidente Xi Jinping foi tratado quase como um príncipe”, pontua.

Gunther Rudzit, doutor em ciência política e professor de relações internacionais da ESPM Foto: Divulgação

Em 13 de novembro, o Brasil e a China anunciaram acordos comerciais que incluíram a exportação do melão brasileiro e importação da pera chinesas, durante visita do presidente Xi Jinping a Brasília. O encontro terminou com Bolsonaro dizendo que o gigante oriental “cada vez mais faz parte do nosso futuro”

Presidente Jair Bolsonaro e presidente da China, Xi Jinping, no Palácio do Itamaraty Foto: Gabriela Biló/ Estadão

"Por isso, acho que a estratégia e o posicionamento clássico da nossa diplomacia de não condenar ou apoiar nem um nem outro seria a melhor situação. Ou mesmo não ter se pronunciado, porque não temos nenhum interesse direto no Irã, diferente do que acontece na Venezuela”, explica Rudzit, citando a influência da crise venezuela no fluxo migratório para o Brasil

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O professor avalia que, ter bombardeado uma base norte-americana como retaliação pelo assassinato de Suleimani, o cancelamento da reunião entre Brasil e representantes iranianos foi um presente bem-vindo: “Com o que o país está vivendo, acho que o governo deles não achou ruim [esse cancelamento]. Ainda acredito que vamos ter mais do mesmo de sempre. Ou seja, um atrito indireto entre os governos, não direto. O Irã teve que agir, agora o rio volta a seguir o seu curso normal”.

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