O jogo duplo do Paquistão

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Por Agencia Estado
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Teoricamente, nada mais simples. Um silogismo: os talebans estão no poder em Cabul (Afeganistão) e protegem o inimigo infernal, o terrorista Bin Laden. Ora, por sua vez, os talebans são protegidos pelo vizinho Paquistão, mas esse mesmo Paquistão é um aliado fiel dos Estados Unidos e depende quase totalmente do dinheiro americano para sobreviver. Conclusão do silogismo: os Estados Unidos só podem dizer ao Paquistão para obrigar os talebans a expulsarem o terrorista Bin Laden. E pronto. Infelizmente, até agora, isso não funcionou. Certamente, o Paquistão enviou uma delegação a Cabul (capital do Afeganistão) para pressionar os talebans. Mas tudo leva a crer que essa delegação nada conseguiu. No momento, os talebans não têm a menor intenção de extraditar do solo afegão o terrorista Bin Laden. O fracasso dos paquistaneses junto aos talebans pode ser explicado de duas maneiras: ou eles participaram lealmente do jogo americano, mas os afegãos de Cabul (os mollahs) não quiseram ouvir nada. Ou tudo isso é mentira e, na realidade, os paquistaneses fingiram transmitir as exigências dos americanos, aconselhando ao mesmo tempo os talebans a não entregarem Bin Laden. Os que conhecem os dois países mantêm, com unanimidade, a segunda hipótese: o Paquistão tem uma enorme necessidade da ajuda financeira dos americanos para se indisporem com eles. Então, fingem. Duplo jogo. É o que explica o irmão do comandante Massoud, o ?resistente? aos talebans no norte do país e que acaba de ser assassinado por um ?camicase?, poucos dias antes da tragédia de Nova York. Ele explica: ?O ISI (Serviço de Inteligência Paquistanês), os talebans e o terrorista Bin Laden têm os mesmos interesses... Os americanos engolem tudo?. Para esse irmão do comandante Massoud (de passagem em Paris), o Paquistão não é somente uma base logística para os talebans afegãos. É também um ninho de fundamentalistas inflamados, que apoiam não só por meio de dinheiro, mas também com voluntários, a batalha dos extremistas talebans. A propósito, por exemplo, do assassinato do comandante Massoud, seu irmão acusa o Paquistão: ?O Serviço de Inteligência (ISI) do Paquistão certamente foi cúmplice na morte de meu irmão?, disse ele. Essa é também a opinião do jornalista francês, Christophe de Pontilly, que acompanha a Resistência afegã contra os talebans há anos e que, por isso, era amigo muito próximo do comandante Massoud, hoje morto. Segundo Pontilly: ?O Paquistão enviou uma delegação a Cabul. Mas isso é uma gozação. Foram os paquistaneses que sustentaram, armaram e organizaram os talebans. Ou, pelo menos, seus serviços secretos, o ISI, que é um Estado dentro do Estado?. O cenário do Paquistão confirma essas opiniões desencorajadoras: na verdade, o Paquistão, esse ?grande amigo? dos americanos, é um formigueiro de islamitas. Muitos jovens paquistaneses lutaram no Afeganistão, primeiro contra os russos, em seguida nas fileiras dos talebans. Com isso, eles guardaram a convicção de que os talebans souberam construir uma sociedade alcoranista e, portanto, perfeita: ?Lá, eles criaram uma sociedade modelo, sem crimes e sem violações. São pessoas pacíficas, salvo quando são atacadas?, diz um deles. E o ISI (espionagem) não é a única instituição paquistanesa que apoia os talebans e odeia os americanos, a ponto de querer exterminá-los. Há também as mesquitas: talebans do Afeganistão, assim como jovens paquistaneses, foram educados nas escolas alcoranistas. É nessas escolas que proliferam os partidos extremistas, por exemplo, o Jamiat-e-Ulema Islam, ou ainda o Hizbul Mudjahedin, ou o Maulana Fazlur Rehman, e muitos outros. A maior escola religiosa, a Haqqania d?Akhora Khatat, vangloria-se de ter formado 90% dos chefes dos talebans afegãos. Um jovem professor da Haqqania diz: ?A questão do apoio aos talebans não se coloca. Todos os muçulmanos os apoiam. Bin Laden e os talebans são nossos irmãos. Reagimos como membros de uma mesma família?. E, ontem, nas ruas de Karachi, a capital econônima do Paquistão, 5 mil estudantes proferiram: ?Afeganistão e Paquistão, túmulos da América! Somos todos Ossama Bin Laden. Somos todos talebans?. Para dar uma idéia da violência que habita esse grande número de paquistaneses fundamentalistas, observemos que eles têm o mesmo horror aos americanos, aos europeus e aos judeus: de acordo com o chefe do distrito de Lahore (Paquistão), Shakir ur Remman Nasir: ?O verdadeiro inimigo a abater, para os muçulmanos, é o judeu. Cada muçulmano deveria fixar como objetivo eliminar os judeus. Até mesmo os hindus são menos abomináveis do que os judeus?. E, no entanto, os hindus, que não são muçulmanos, mas hinduístas ou budistas, são os inimigos jurados dos paquistaneses (aliás, o Paquistão mantém uma guerra civil na Índia, em Caxemira, para recuperar esse território, que considera propriedade sua. Além disso, essa guerra da Caxemira exerce um papel, não negligenciável, de inflamar o fundamentalismo muçulmano dos paquistaneses). Conseqüentemente, os judeus. Se pensarmos que Nova York é considerada uma cidade européia e rica, com uma grande e muito poderosa comunidade judaica, compreendemos melhor porque o massacre das duas torres não parece emocionar tanto um grande número de extremistas islamitas.

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