PUBLICIDADE

O lugar onde visitar os pais é lei

Ao tornar a reverência aos progenitores uma obrigação, o governo chinês tenta atenuar um dos inconvenientes da profunda urbanização do país

Por EDWARD WONG
Atualização:

Eles são modelos folclóricos para os estudantes chineses. Há o discípulo de Confúcio que come capim enquanto viaja com sacos de arroz para entregar a seus pais. Há o homem que adorava efígies de madeira de seus pais. Para as autoridades chinesas, aparentemente já não basta recontar as histórias e fazer recomendações paternais para ensinar às crianças a importância da reverência pelos pais, possivelmente a virtude tradicional mais prezada na sociedade chinesa. Na segunda-feira, o governo chinês promulgou uma lei que obriga filhos adultos a visitarem seus pais idosos. A lei, intitulada Proteção dos Direitos e Interesses dos Idosos, tem nove cláusulas que estabelecem os deveres de filhos. Os filhos devem voltar para casa "com frequência" para visitar seus pais, diz a lei, e enviar-lhes ocasionalmente saudações. Empresas devem conceder a seus empregados tempo suficiente de folga para eles visitarem seus pais. No entanto, o fato de as autoridades sentirem a necessidade de fazer do dever filial um assunto legal é um reflexo das mudanças monumentais em toda a sociedade chinesa. Muitos pais idosos na China, e em outros países industrializados, se queixam hoje em dia por não verem seus filhos o suficiente. E os filhos dizem que a agitação da vida cotidiana, especialmente nas cidades em rápida expansão, os impede de arranjar tempo. "A economia chinesa está prosperando e muitos jovens se mudaram para as cidades e para longe de seus pais idosos nas aldeias", diz Dang Janwu, vice-diretor do Centro de Pesquisas sobre Envelhecimento da China. "Essa é uma das consequências da urbanização chinesa. O sistema de bem-estar social consegue atender às necessidades materiais dos idosos, mas no que se refere às necessidades espirituais, uma lei como essa é muito necessária." Dang disse que a lei já é um sucesso ao promover uma importante discussão. Outros têm se mostrado mais céticos. Na segunda-feira, o romancista Gui Cheng disse aos 1,3 milhão de seguidores de seu microblog: "O parentesco é parte da natureza humana. É ridículo transformá-lo em lei. É como pedir que pares que se casaram tenham uma vida sexual harmoniosa." A questão de pais idosos abandonados é real na China. Em 2011, a agência noticiosa estatal Xinhua publicou um artigo dizendo que quase a metade dos 180 milhões de pessoas com 60 anos ou mais vivia separada de seus filhos. Pessoas que residem numa cidade diferente dos pais, incluindo as legiões de trabalhadores migrantes, geralmente só encontram tempo para voltar para casa durante o feriado do Ano-Novo Lunar. No mesmo dia em que a nova lei entrou em vigor, um tribunal na cidade oriental de Wuxi decidiu que um jovem casal teria de visitar a mãe de 77 anos - que havia processado a filha e o genro por negligência - ao menos a cada dois meses para atender a suas "necessidades espirituais", além de lhe pagar uma indenização, segundo organizações noticiosas chinesas. "Apoio mental é um aspecto importante da proteção dos direitos e interesses dos idosos", disse o presidente do tribunal, Yuan Ting, segundo a agência Xinhua. O texto clássico usado durante seis séculos para ensinar a importância de respeitar os pais foi Os 24 Paradigmas da Piedade Filial, uma coletânea de contos folclóricos escritos por Guo Jujing. Em agosto do ano passado, o governo chinês publicou uma nova versão, supostamente atualizada para os tempos modernos, para que os jovens a considerem relevante. O novo texto diz para os filhos comprarem seguro-saúde para seus pais e lhes ensinarem a usar a internet. O Guangzou Diary, um jornal oficial, publicou um artigo em outubro sobre um homem de 26 anos que empurrou sua mãe inválida por 93 dias numa cadeira de rodas até um destino turístico tropical popular na Província de Yunan. O artigo o declarou "de longe o melhor exemplo de bom filho" em anos. / TRADUÇÃO DE CELSO PACIORNIK

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.