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O MAGNATA QUE TRAVA O TURISMO

Restrição a imigrantes é acompanhada de queda na procura por voos para os Estados Unidos

Atualização:

Entre brasileiros, insegurança perde para a queda no dólar

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Na apertada quitanda do bairro Upper West Side, a fila era longa, como acontece no começo da noite. Fregueses empurravam cestas de frutas, legumes e laticínios com suas botas ensopadas e um ar subjugado ao fim de um dia de forte nevasca. De repente, a voz se ergueu atrás de uma prateleira de enlatados: “O governo perdeu!”

Estranhos na fila começaram a conversar animados e sacaram seus celulares para conferir a decisão de 3-0, em que juízes federais da Califórnia mantiveram a suspensão do decreto que proibia a entrada de refugiados de qualquer parte do mundo e de cidadãos de sete países de maioria muçulmana. O dono da quitanda, nascido no Irã, um dos países afetados, abriu mais uma caixa registradora para aliviar a fila.

A Casa Branca deve apresentar na semana que vem uma segunda versão da ordem executiva. Seja qual for o conteúdo, o endurecimento em Washington sobre a imigração terá um efeito cascata no investimento sobre a economia do país.

Executivos da indústria de turismo americana se referem aos anos posteriores ao 11 de Setembro como a “década perdida”. O aumento de restrições para vistos e o maior escrutínio tiveram efeito muito além de países árabes ou com população de maioria muçulmana. A entrada de turistas estrangeiros só voltou em 2016 aos níveis anteriores aos do pós-atentado.

Duas semanas após o decreto, a consultoria de marketing Hopper anunciou que uma checagem em 300 milhões de buscas por voos internacionais registrou queda de 17% de procura de passagens para os EUA.

Um editorial do jornal de maior circulação do Canadá, o Toronto Star, no dia 30 de janeiro, sob o título “Hora de boicotar férias nos EUA,” ganhou repercussão. Turistas canadenses despejaram US$ 20 bilhões na economia americana em 2015. E há o fluxo de viagens de trabalho, responsável por 15% da entrada de estrangeiros dos EUA. Mais de 40 mil acadêmicos de vários países se juntaram a um movimento iniciado no Reino Unido para boicotar conferências em território americano.

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A indisposição internacional com o tom isolacionista da campanha de Trump precede a ordem executiva do dia 27 de janeiro, mas sua exacerbação não surpreende Edward Alden, fellow do Council on Foreign Relations, um think tank com escritórios em Washington e Nova York. Ele é coautor de um estudo publicado em outubro sobre o impacto potencial de uma proibição ampla à entrada de muçulmanos nos Estados Unidos.

Ao Estado, Alden disse que a percepção de um país mais fechado e hostil a estrangeiros pode criar um impacto semelhante ao do atentado de 2001. “Veja o exemplo do Brasil, um país com enorme território. Com a exigência de entrevistas para novos vistos, qual família de classe média que vai viajar até o local de um consulado para poder tirar férias nos EUA?”

Vice-presidente de comunicações da agência de turismo da cidade de Nova York, a NYC & Company, Christopher Heywood reitera que a cidade quer se destacar como a metrópole que abraça o estrangeiro e a diversidade. Nova York recebe em média 30% dos 76 milhões – dados de 2015 – de estrangeiros que visitam os EUA e eles têm um impacto de US$ 30 bilhões da economia da cidade.

Heywood admite que a agência já examina uma campanha para dispersar temores de turistas. Lamenta que a ordem tenha ocorrido quando o número de turistas brasileiros na cidade, em queda pela recessão e alta do dólar em 2015, tenha voltado a subir. Ele espera que 2016 tenha fechado com cerca de 822 mil turistas do Brasil, num total de 12,6 milhões de visitantes estrangeiros em Nova York.

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Concorrência. Em Washington, Edward Alden cita outro sintoma da reação ao clima anti-imigrante: consultorias em Vancouver estão tentando atrair profissionais do Vale do Silício, cujas empresas empregam estrangeiros dos sete países de maioria muçulmana. Mais de 100 empresas do Vale se juntaram a um desafio legal à ordem executiva sobre imigração. Por US$ 6 mil, a TrueNorth, em Vancouver, oferece passagem aérea, hospedagem e assessoria jurídica para o profissional obter visto de trabalho no Canadá. Vancouver fica a 2 horas e 20 minutos de São Francisco, a metrópole mais próxima ao Vale, de avião.

No estudo inicial sobre uma restrição mais ampla a muçulmanos, Edward Alden e os coautores Robert Kahn e Hedi Crebo-Rediker previram uma perda potencial de 50 mil a 130 mil empregos. Alden prefere não atualizar a previsão no cenário atual. Mas faz uma advertência: “Lembre que os viajantes internacionais tiveram boa vontade e paciência com a burocracia depois do ataque de 11 de Setembro que matou mais de 3 mil pessoas. Desta vez, é diferente.”