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O manifesto dos torturadores

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Por Redação
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O jornal The New York Times publicou no dia 19 o seguinte editorial: "Ler os quatro memorandos recém-divulgados sobre o interrogatório de prisioneiros, redigidos pelo Departamento de Justiça no governo de George W. Bush é mergulhar na perversão. Neles é explicado como adaptar uma coleira no pescoço de um prisioneiro para atirá-lo contra uma parede, quantos dias exatamente ele pode ser mantido sem dormir (11) e o que, especificamente, deve ser dito antes de ele ser trancado numa caixa com um inseto. Numa das passagens mais repugnantes, Jay Bybee, então procurador-geral-adjunto e hoje juiz federal, escreve com admiração sobre o sistema adotado para a simulação de afogamento. E elogia a CIA por manter médicos prontos para realizar uma traqueotomia de emergência, se necessário. Esses memorandos não significam uma tentativa honesta para estabelecer limites legais para os interrogatórios. Eles foram produzidos para dar imunidade legal a atos nitidamente ilegais, que violam os valores básicos do país. E tudo isso com a bênção do secretário da Defesa, do ministro da Justiça e, muito provavelmente, do presidente Bush e do vice-presidente Dick Cheney. Temos de reconhecer o mérito da União Americana pelas Liberdades Civis (UCLA), que requereu a divulgação desses memorandos. E do presidente Barack Obama por ter passado por cima do próprio diretor da CIA e ordenado que eles fossem publicados. Dificilmente encontraremos um outro caso em que documentos "altamente secretos" são divulgados sem a supressão de alguns trechos. Os abusos e os perigos não acabam com esses memorandos. Os americanos continuam sabendo muito pouco sobre decisão do presidente Bush de ilegalmente autorizar escutas telefônicas de cidadãos deste país - que teve cobertura legal do Congresso. Na semana passada, o The New York Times informou que as agências de inteligência do país reuniram mensagens de e-mail particulares e telefonemas feitos por americanos numa escala que superou os limites estabelecidos em lei, no ano passado. A fonte citada foi o Departamento de Justiça, que tinha informado a ocorrência de problemas com o programa, mas que foram solucionados. Mas não ficou explicado quais eram os problemas nem qual foi a solução. E esse é o ponto nevrálgico da questão: ninguém sabe realmente quais eram as regras. Bush nunca deu a mínima explicação ao decidir ignorar a lei, após os atentados de 11 de setembro, e ordenar a interceptação de telefonemas e e-mails do exterior para americanos, sem ordem judicial. Na ocasião disse que era presidente e podia fazer o que quisesse. Num processo recente, o governo Obama argumentou que tudo o que estiver associado a escutas eletrônicas, incluindo o que é permitido e o que não é, constitui segredo de Estado. Não pensamos que Obama vai violar os direitos dos americanos, como foi feito por George W. Bush. Mas se os americanos não conhecem as regras, não podem julgar se este governo, ou qualquer outro que vier, age dentro das normas. No caso de abuso de prisioneiros, Obama garantiu aos membros da CIA que não seriam processados por ações que seus superiores disseram estar dentro da lei. Jamais ficamos satisfeitos com a desculpa do "só estar cumprindo as ordens", especialmente porque os americanos ainda não sabem o que realmente foi feito ou quem estava dando as ordens. Afinal de contas, para os advogados de Bush não era realmente tortura, salvo se envolvesse ossos quebrados, pele queimada ou dentes arrancados. A investigação sobre a violação da lei internacional e da Constituição deve começar com os advogados que escreveram esses memorandos nauseabundos, entre eles John Yoo, hoje professor de direito; Steven Bradbury, que está à caça de emprego; e Bybee, que detém uma cadeira perpétua no Tribunal Federal de Apelações, que lhe foi presenteada por Bush, Esses memorandos deixam claro que Bybee é incapaz para um trabalho que exige julgamento legal e respeito da Constituição. O Congresso deve promover o seu impeachment. E se o governo não conduzir uma investigação dessas questões, então o Congresso tem o dever constitucional de responsabilizar o Executivo. Se isso significa colocar Donald Rumsfeld e Alberto Gonzales no banco dos réus, e até Dick Cheney, estamos certos de que os americanos vão se ocupar disso. Depois de oito anos sem transparência ou responsabilidades, Obama prometeu ambas as coisas para os americanos. Sua decisão de divulgar esses memorandos foi mais um sinal do seu compromisso com a transparência. Esperamos ver esse mesmo compromisso com a responsabilidade."

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