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O Messias do Ocidente começa a trabalhar

Por Gilles Lapouge
Atualização:

Ele avança para a cena mundial acompanhado de um longo cortejo de sombras. Franklin Delano Roosevelt, Benjamin Franklin, Thomas Jefferson, George Washington, John Kennedy e Martin Luther King. Homens ilustres que o convidam, sem cerimônia, a se sentar entre eles. Nada mais raro que tamanha admiração. O mundo espera Barack Obama como o Messias, enquanto, embora detalhes de sua vida sejam conhecidos, no fundo, ele é pouco mais que um grande mistério. Como explicar esse privilégio? O talhe esbelto, a eloquência, aquele "charme", enfim, que em 1989 encantou sua futura mulher, a brilhante Michelle, a qual - como dizia seu irmão - tinha o costume de "mastigar seus pretendentes antes de cuspi-los como um caroço de cereja". Barack escapou da sina do caroço de cereja. Mas a partir de amanhã, ele não poderá mais se contentar em ser uma figura fascinante, mas leve e, às vezes, vazia. Ele precisará, e muito depressa, tomar decisões que implicam em um risco: o de quebrar a cara na dura realidade, seja ela a crise financeira ou os rios de sangue e injustiça que o mundo unipolar de Bush construiu. INTELECTUAL Até agora, Obama jogou com maestria. Seu concorrente, John McCain, era previsível, uma efígie do homem do Oeste que carregava todos os mitos dos EUA. Obama, por sua vez, era inatingível, ambíguo, contraditório, africano e americano, indonésio e alemão. "Mas quem é esse cara?", é o que há muito se pergunta. Às vezes, ele flerta com o perigo: deixa-se descrever como "intelectual". "Eu votarei em Obama porque esse homem é um poeta", disse, há três meses, Toni Morrison, prêmio Nobel de literatura. Ele enxergou bem, mas serão os poetas mais capazes de se fazer ouvir? Na época, Hillary Clinton agarrou a oportunidade: "Nós falamos em poesia. Mas, uma vez no cargo, será preciso escrever em prosa", afirmou. Bem observado. Mas alguns dos grandes líderes do planeta, de Napoleão a Roosevelt e Charles De Gaulle, foram poetas que também sabiam escrever em prosa. Obama tem sido discreto, silencioso. Mesmo quando ele fala (li sua longa entrevista na revista americana Time), o faz de forma quase superficial e sem revelar muitos segredos. Sobre um ponto, no entanto, ele foi obrigado a se revelar: seu plano de resgate da economia. Isso não podia esperar. Além disso, ele designou seus secretários e conselheiros. Esse conjunto de nomes forma uma bola de cristal na qual suas intenções podem ser decifradas. No entanto, enquanto os palestinos de Gaza e os israelenses lutavam, ele permaneceu mudo, ou quase, como se fosse estranho a esses horrores. Até agora, o entusiasmo em relação a Obama resistiu. Mesmo a França continua enfeitiçada. Está claro, porém, que as primeiras dúvidas começam a surgir. Há duas ressalvas em relação a ele. A primeira é o fato de ele ser um americano. Nada a fazer: esse Obama não é um europeu e dará preferência, em sua ação, aos interesses dos EUA. A segunda ressalva: a intelligentsia francesa examinou a lista de seus colaboradores e ficou desolada. Hillary Clinton, que aprovou a guerra do Iraque, Robert Gates, ex-ministro da Defesa de Bush, e os economistas Lawrence H. Summer, ex-secretário do Tesouro de Bill Clinton, que iniciou a crise do subprime, e Timothy Geithner, ex-presidente do Fed, o Banco Central americano, que participou do plano de resgate das instituições financeiras do país. Tudo isso é inquietante. Alguns achavam que Obama seria um homem de esquerda e tentaria subverter o capitalismo ou, no mínimo, regular o mercado. Também nisso será preciso resignação. Obama não é marxista, nem trotskista, nem mesmo maoista. Ele é realmente bizarro. Talvez nem mesmo seja keynesiano. Seus consultores econômicos são clintonianos modernizados, que conferem ao mercado um respeito neoliberal absoluto. Quanto à equipe de segurança de Obama, ela seria um ninho de falcões. O novo presidente, contudo, deve ter algumas semanas de folga antes de ser relegado às "masmorras da direita americana". "Tudo isso não passa de astúcia e poeira nos olhos. Para não se chocar de frente com o establishment, ele formou uma equipe bipartidária e centrista. Ao não se apresentar como um homem de esquerda, Obama terá as mãos livres para aplicar uma política mais à esquerda", dizem alguns. POLÍTICA EXTERNA Sobre as opções da política internacional, os analistas caminham sobre ovos. Os propósitos de Obama são vagos, convencionais. É muito bom liquidar o quanto antes os desastres da ocupação do Iraque e da prisão de Guantánamo. Mas retirar os soldados do território iraquiano, que é um matadouro, para enviá-los a outro matadouro - o Afeganistão - já é uma estratégia mais controversa. Como Bush, Obama pedirá mais tropas a seus aliados europeus. Ele solicitará à França uma ajuda adicional no Afeganistão. "Será pior do que na gestão anterior", dizem alguns. "Era fácil dizer não a um imbecil como Bush." Além disso, se Obama atacar o Taleban mesmo dentro do Paquistão, como já disse que faria, teremos uma nova carnificina. Uma interrogação permanece: quais são as relações pessoais entre o presidente francês, Nicolas Sarkozy, e Obama? Os dois mal se conhecem. Eles só deverão se encontrar em 2 de abril, data da reunião do G-20, em Londres. Um segundo encontro pode ocorrer no dia seguinte, na reunião da Otan, em Estrasburgo. Dois dias depois da eleição de Obama, Sarkozy lhe telefonou e eles conversaram um pouco. Depois disso, nenhuma outra conversa. Obama recebe um mundo em um estado tão lastimável que é obrigado a correr, primeiro, para os lugares repletos de morte e o sofrimento. A Europa virá em seguida. Persiste, contudo, a suspeita de que Obama, como bom pragmático, reequilibrará a diplomacia americana dando grande importância à Ásia. DUPLA De qualquer maneira, Sarkozy também estava muito ocupado. Não é todo o dia que se conhece uma situação tão feliz como a de Sarkozy há dois meses: uma Europa sonolenta, um Obama ainda fora do comando e o presidente francês sozinho para recolocar ordem no planeta. Na época, ele se entregou a essa tarefa de coração. As más línguas chegam a afirmar que agora Sarkozy estaria com ciúme de Obama, o único chefe de Estado ocidental capaz de lhe fazer sombra. Na verdade, tudo que o presidente francês sente por Obama é amizade e respeito. Ele tem pressa de que Obama assuma seu posto na Casa Branca. Não serão demais dois para salvar o planeta. "Obama é meu colega", disse Sarkozy, recentemente. É isso que é bom em Sarkozy. Ele tem o coração grande. Basta que veja alguém duas vezes para transformá-lo num "colega". Assim, ele foi um bom camarada de George Bush no rancho no qual chegou a passar férias. É igualmente "colega" da chanceler alemã, Angela Merkel, que mal consegue suportá-lo. Agora, ele tem um novo "colega". Esse novo camarada está na Casa Branca. E isso cai bem. *Gilles Lapouge é correspondente em Paris

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