Há 50 anos, em 1968, era assinado o Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares (TNP). O mundo comemorou, com razão: essas armas são terríveis. Entretanto, meio século mais tarde, e apesar do TNP, o terror nuclear está de volta.
É verdade que o tratado foi muitas vezes ridicularizado. É também verdade que cinco nações o respeitam escrupulosamente: os cinco membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU (Estados Unidos, Reino Unido, França, China e Rússia). Mas, como os cinco já têm armas nucleares, o tratado não lhes diz respeito. Ou melhor: o tratado tinha como objetivo preservar o direito dos cinco à bomba e impedir outros países de possuí-la.
Entre "os outros", três se recusaram a assinar o TNP: Índia, Paquistão e Israel. Ocorre que esses três, sem admitir oficialmente, também têm armas atômicas. É um problemão. De qualquer modo, o TNP era um obstáculo à proliferação. Neste início de 2018, porém, ele passa por dificuldades. Há dois países que não estão nem aí para ele: a Coreia do Norte e o Irã.
O mais radical é a Coreia do Norte. Ela está convencida de que, sem a "arma absoluta", os Estados Unidos e a CIA vão esmagá-la. Os norte-coreanos formam um país de 25 milhões de paupérrimos habitantes. Mas seu líder, Kim Jong-un, teimoso como uma mula, conseguiu produzir a bomba e mísseis para levá-la longe. A cada teste nuclear norte-coreano, os EUA estrilavam. Kim nem ligava. Divertia-se. Até que, nos últimos dias, a Coreia do Norte se proclamou "potência nuclear".
Mas e o TNP? TN... o quê? Pergunta Kim. Trump esbraveja: "Também tenho um botão nuclear, maior e mais poderoso que o seu. E o meu funciona!". Kim morre de rir. É o rebaixamento da diplomacia mundial. "O meu é maior que o seu!" é uma frase que lembra mais uma disputa entre dois escolares púberes durante o recreio.
Kim aproveita a situação para estender a mão à Coreia do Sul, país gêmeo, inimigo de Pyongyang e sólido aliado dos EUA. Seul aprecia a mão estendida da Coreia do Norte. Será que vamos ver as duas Coreias se reaproximarem? De qualquer forma, levando-se em conta o temperamento da Coreia do Sul, tão pacifista, é difícil imaginar Trump iniciando uma guerra preventiva contra Pyongyang. Daí que, pelo menos por enquanto, na queda de braço com Trump, Kim leva vantagem.
O Irã seguiu outro caminho. Primeiro, em 2002, começou um programa nuclear militar. Doze anos depois, em 2015, assinou com os cinco grandes, mais a Alemanha, um acordo renunciando às armas nucleares. Todos os inspetores confirmaram que Teerã estava cumprindo suas promessas: nada de armas e nada de urânio enriquecido nas instalações nucleares iranianas.
Então, veio Trump. "Esse é o pior tratado já assinado pelos EUA", decretou. Compreende-se. Como Obama gostava do acordo, isso o torna ruim. Trump é quem sabe das coisas. Dentro de alguns dias, entre 11 e 17, Trump deverá certificar o acordo de 2015 e, consequentemente, seriam suspensas as sanções que continuam a sufocar o Irã. Ou, ao contrário, pode jogar no lixo toda a papelada e optar pelo confronto.
Protestos. Essa era a situação, já perigosa, na semana passada. O perigo aumentou com as sangrentas revoltas de rua pelo país. Os revoltados protestam contra o empobrecimento do país que foi causado pela diplomacia agressiva de Teerã, em particular contra a Arábia Saudita e seus protegidos sunitas, mas também pelas sanções econômicas que estrangulam o Irã e poderiam ser levantadas em alguns dias se Trump certificar o acordo de 2015.
O que quer que Trump faça na próxima semana será decisivo. Se certificar o acordo de 2015, com o consequente levantamento das sanções, Teerã poderá acalmar a população afrouxando os controles que paralisam a vida cotidiana e também pôr em banho-maria a brutal diplomacia iraniana contra a Arábia Saudita e seus amigos dos países sunitas (o Irã é xiita). Nesta hipótese, o acordo nuclear de 2015 retomaria sua finalidade, sua vigência e poderia ter início um novo e mais viável período diplomático. Seria ainda necessário, para que esse ciclo virtuoso se consolidasse, que o próprio Irã adotasse o apaziguamento – o que não é nada certo.
No dia 2, a mais alta autoridade do Irã, o guia supremo Ali Khamenei, declarou que "os manifestantes são pagos pela Arábia Saudita". Ao partir para o confronto, Khamenei conta com os violentos pasdarans, a Guarda Revolucionária iraniana, para restabelecer a calma nas rua. Dentro desse cenário, Trump pode agravar a situação, por exemplo, denunciando na próxima semana o acordo de 2015, em lugar de assiná-lo.
Assim, o aiatolá Khamenei, que nunca morreu de amores pelo acordo (tem isso em comum com Trump), poderia decidir recomeçar a produção de urânio enriquecido e dotar o Irã de bombas nucleares. Aí sim, seria perigo máximo. / Tradução de Roberto Muniz
*É correspondente em Paris