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O ''modelo Dilma''

Por Mac Margolis
Atualização:

Há apenas três meses, com a troca de guarda no Palácio do Planalto, a especulação corria solta entre dez em dez analistas de política externa. Seria a nova presidente Dilma Rousseff uma versão recauchutada do seu antecessor e mentor político, também afeita a causas arriscadas e a retórica inflamada? Ou romperia com o estilo Lula, trazendo a diplomacia brasileira de volta à serenidade e ao equilíbrio tradicional? A resposta já começa a ser esboçada. Ontem, em Genebra, quando o Brasil votou com a maioria no Conselho de Direitos Humanos da ONU, ajudando a nomear um relator para avaliar a situação no Irã, o sismo também se registrou. O apoio do Brasil à resolução não só frustrou Teerã, que pressionava aliados e parceiros para derrubar a medida como também marcou a nítida divergência do governo Dilma com a política de seu antecessor."Não cabe ao Brasil sair por aí distribuindo certificados de bom ou mau comportamento", dizia com frequência Celso Amorim, chanceler do governo Lula. Antes trabalhar discretamente, puxando a orelha de aliados estratégicos, do que bradar contra o mau do mundo aos holofotes, repetia. Soava simpático, espécie de reedição diplomática do homem cordial: uma política calcada na convicção de que não haja querela entre amigos que não possa ser resolvida. Acabou sendo lembrado como o refrão da indulgência. Quem apostaria que o governo Dilma fizesse diferente? Afinal, sua candidatura era invenção assumida de Lula, que a ciceroneou mundo afora e nunca deixou de sussurrar no seu ouvido. Ela era braço direito de Lula quando este posou sorridente ao lado de Raúl Castro. Nada comentou quando Lula pronunciou a Venezuela do autoritário Hugo Chávez como um "modelo" de democracia. Tampouco levantou a voz quando Lula se lançou como avalista de Mahmoud Ahmadinejad no barroco acordo nuclear, improvisado de última hora para poupar Teerã de sanções internacionais.É fato que o primeiro sinal de mudança veio cedo, quando Dilma era ainda presidente eleita. Talvez tenha sido o seu feminismo tardio, que virou marca registrada na campanha presidencial. Ou, mais provável, era a sua própria experiência nas prisões da ditadura brasileira. E por que o Brasil se abstivera em vez de apoiar a decisão da ONU de investigar abusos de direitos humanos no Irã? "Não concordo com a forma que o Brasil votou."Poderia ter sido um desabafo pontual, destempero de uma estreante na política eleitoral. Mas, ao assumir a presidência, Dilma não só não desmentiu suas declarações da véspera, mas afirmou-as na votação de ontem. "Ao votar a favor da resolução, o Brasil deixou nulo os meses de lobby do governo iraniano", comentou a ONG Campanha Internacional para Direitos Humanos no Irã. O mundo novamente reparou. É CORRESPONDENTE DA "NEWSWEEK" E COLUNISTA DO "ESTADO"

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