
29 de setembro de 2013 | 02h04
Sua pauta pouco tinha a ver com os anseios da hora, como a guerra na Síria ou o escândalo da espionagem americana, que tanto indignou Brasília. Bisbilhotar o Uruguai? "Seria uma perda de tempo", diz. "Venho do Sul", abriu seu discurso. A referência foi ao seu país meridional, mas também remete ao posicionamento discreto que ocupa no enredo mundial, fora do radar e dos conflitos das grandes potências.
Assim, Mujica projetou sua pequena nação como uma espécie de reserva moral. Se hoje os países emergentes reclamam seu lugar ao sol, o Uruguai orgulha-se do seu paradeiro humilde, "esquina do Atlântico com o Prata", um portento só se for na agenda social.
Mujica esbanja o charme de um homem fora de seu tempo. A visão desse ex-guerrilheiro de 78 anos, que abriu mão da residência presidencial, que consome verduras cultivadas em sua própria horta e doa boa parte do salário para caridade, vem de mais longe. Uma visão dos anos 70.
Orador inspirado, Mujica desenhou na tribuna das nações um mundo melhor, sem o capitalismo selvagem e a cobiça. "Se aspirarmos a consumir como um americano médio, seriam imprescindíveis três planetas para podermos viver." E como salvar o planeta, indagou, se "em cada minuto gastamos US$ 2 milhões em ações militares?". Sua receita: "Mobilizar as grandes economias não para criar descartáveis com obsolescência calculada, mas bens úteis, sem frivolidades, para ajudar a levantar os pobres do mundo."
O evangelho segundo Mujica soa tão belo quanto distante da América Latina real, onde a maioria dos "excluídos" anseia participar do capitalismo. "A América Latina hoje quer mais, não menos", diz Bernardo Sorj, estudioso uruguaio. Ao mesmo tempo, seu discurso anticapitalista é atual. Seu libelo contra a cobiça e os excessos do vil metal tem ampla ressonância, especialmente no jogo eleitoral.
Da Cidade do México a Santiago, os partidos políticos desfilam seu carnaval de siglas, mas nenhum ousa assumir a identidade liberal. Em 1992, quando o historiador Francis Fukuyama decretou o "fim da história", estava se referindo ao fim do embate ideológico da Guerra Fria que rachava os países entre comunismo e capitalismo. Vitória para o consenso liberal, disse Fukuyama, pois as alternativas dirigistas ruíram com o Muro de Berlim.
Menos na America Latina. Por aqui, a ojeriza ao liberalismo é consenso continental. Claro, a venda dos elefantes estatais, o fim do monopólio na industria de petróleo e a abertura comercial impulsionaram o comércio e criaram empregos, mas não se fala nisso em voz alta, muito menos no horário eleitoral gratuito. Assumir a bandeira liberal na América Latina de hoje é como confessar pedofilia. A historia política na região acabou. Somos todos social-democratas.
Há várias explicações para o conformismo latino. A desigualdade social é tachada como mazela dos mercados. O colapso do capitalismo global, em 2008, não ajudou. Pior, em muitos países, a direita, afeita ao discurso liberal, se fez sócia dos militares, mesmo quando os ditadores optaram por turbinar o Estado.
Mas também tem a ver com a força inercial de um Estado balofo, com gula de impostos, que ocupa o espaço da iniciativa privada, premia amigos e controla sindicatos e empregos. Reféns do gigante, com Síndrome de Estocolmo, nos afeiçoamos à sua sombra. Uma utopia claustrofóbica dos anos 70.
MAC MARGOLIS É COLUNISTA DO ESTADO, CORRESPONDENTE DA REVISTA NEWSWEEK, EDITA O SITE WWW.BRAZILINFOCUS.COM
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