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O negócio das drogas

Com seu jeito despojado e contemporizador, alegremente evidente na passagem pelo Brasil, o papa Francisco despertou expectativas de quem quer uma Igreja menos rígida e mais aberta às tendências sociais. Havia até quem imaginasse uma bênção para a flexibilização dos crimes contra drogas. Ficou na imaginação. "Não é deixando livre o uso das drogas, como se discute na América Latina, que se reduzirá a difusão e a influência da dependência química", disse o santo padre, após visitar uma clínica para dependentes químicos no Rio. Pode ser, mas os latino-americanos ainda aguardam uma luz. Nos últimos dez anos, o narcotráfico prospera, a impunidade corre solta e, apesar da repressão, o problema se insinua pela região com o vigor dos evangelistas e a disciplina de um conglomerado multinacional. Vender drogas não é novo. Novidades são a envergadura dos profissionais da droga, a escala de seus negócios e a violência que empregam para garantir a féria bilionária. Como bons discípulos da globalização, os narcoexecutivos, que vendem maconha e entorpecentes sintéticos, pegaram carona no comércio internacional para criar cadeias de fornecimento, empregar tecnologias digitais e dominar canais de financiamento. Ou seja, aprenderam usar o feitiço contra o feiticeiro. "Assim como governos e empresas, os traficantes também aproveitaram os benefícios da globalização para avançar suas atividades ilícitas", disse o almirante americano James Stavridis, do alto comando da Otan na Europa. Um dos focos principais é o Panamá, hub de comércio livre nas Américas e encruzilhada entre os oceanos Atlântico e Pacífico. Os mercadores da droga viraram CEOs de redes transnacionais do crime, que têm nas drogas uma perna de um empreendimento robusto e variado que vai de cocaína a prostituição. Assim como na venda de tóxicos, na cadeia do tráfico humano, vale o poder de compra. Quase nove em cada dez prostitutas escravizadas na relativamente prospera Guatemala vêm da vizinhança mais carente: Honduras, El Salvador e Nicarágua. A América Central é a base preferida dos novos empreendedores do crime. Na região, onde não há guerras em curso, a matança ganhou proporções emergenciais. Honduras tem a pior taxa de homicídios, com 86 assassinatos para cada 100 mil habitantes, em 2011. Segundo pesquisa do Centro de Estudos de Defesa Hemisférico, a violência é a preocupação prioritária para todas as nações centro-americanas e impõe custos de até 8% do PIB regional, entre gastos com policiamento, segurança pessoal e saúde pública. É uma das razões pelas quais a América Central cresce tão pouco: apenas 2%, em 2010, enquanto o resto da região avançou 6%. Nos últimos 18 meses, os países da região apreenderam 127 toneladas de cocaína. No entanto, o problema no istmo americano é fruto também do sucesso em combater a droga em outras regiões. Com a forte repressão na Colômbia e no México, os cartéis migraram, criando sucursais em El Salvador, Guatemala, Honduras e Nicarágua. Estima-se que 84% da droga destinada aos EUA passa pela América Central. A bandidagem peregrina hoje controla 40% do território da Guatemala, segundo estimativa do Congresso americano. O papa Francisco sabe o tamanho da encrenca. "A chaga do tráfico de drogas, que favorece a violência e semeia a dor e a morte exige da inteira sociedade um ato de coragem", declarou ele no Rio. No vernáculo, não é preciso ser católico para dizer amém.

Por MAC MARGOLIS
Atualização:

* MAC MARGOLIS É COLUNISTA DO ESTADO, CORRESPONDENTE DA REVISTA NEWSWEEK E EDITA O SITE WWW.BRAZILINFOCUS.COM.

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