O país defendido pelo Tea Party

Movimento ultraconservador quer a retomada do período com maior desigualdade social da história dos EUA

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Por Harold Meyerson
Atualização:

Entre os gritos de guerra, o escolhido pelo movimento Tea Party, "Retomar nosso país", funciona bem: curto e conciso, apelando à ideia de que o país no qual os americanos vivem teria mudado, e não para melhor. Quando integrantes do movimento buscam identificar o que mudou nos EUA e os beneficiados pelas mudanças, interpretam quase tudo de maneira equivocada. Na visão da direita americana - e as pesquisas de opinião mostram que é esta ala que o Tea Party representa -, o país, enganado por Barack Obama, teria enveredado pelo rumo do socialismo. Longe de ter apontado para esta direção, encalhamos no hipercapitalismo há três décadas.O Tea Party tem razão ao se preocupar com a redistribuição de renda, mas, se estivessem abertos ao empirismo, perceberiam que a distribuição feita nos últimos 30 anos beneficiou os ricos. De 1950 a 1980, a parcela de toda a renda que ficava com os 90% mais pobres aumentou de 64% para 65%, segundo análise feita pelos economistas Thomas Piketty e Emmanuel Saez. Como a economia estava crescendo, a renda média dos 90% mais pobres também aumentou - de US$ 17.719 anuais em 1950 para US$ 30.941 em 1980.A partir de 1980 a história foi diferente. A economia continuou a crescer consideravelmente, mas, para os 90% mais pobres, o período foi de estagnação e perda. A parcela de toda a renda que ficou com os 90% mais pobres da população caiu para 52%. A renda média dos 90% mais pobres permaneceu praticamente inalterada - passando de US$ 30.941 em 1980 para US$ 31.244 em 2008. A vida econômica e as perspectivas dos americanos se tornaram desanimadoras, enquanto a vida dos ricos nunca pareceu melhor. A parcela da renda nacional que vai para o bolso do 1% mais rico da população aumentou de 9% em 1974 para 23,5% em 2007.Ao analisar estes números, seria razoável crer que quando o Tea Party quer retomar o país propõe um retorno ao período de 1950 a 1980. Seria uma inferência razoável, mas também equivocada. A partir da perspectiva da direita, os dramas enfrentados pelos EUA podem ser atribuídos à ordem do New Deal de Franklin Roosevelt.Na verdade, a ordem do New Deal produziu as três únicas décadas - os anos 50, 60 e 70 - em que a segurança e a oportunidade econômica foram amplamente partilhadas. Foi o único período no qual os sindicatos foram fortes o bastante para garantir que os ganhos na renda das empresas de fato chegassem até os trabalhadores. Marcou o único momento da história dos EUA em que o número de americanos nas universidades aumentou; que os impostos cobrados dos ricos eram maiores do que a contribuição feita pelos demais; em que o salário mínimo acompanhou (quase) o ritmo do custo de vida. E foi a única época em que a maioria dos americanos se sentia confiante em relação às próprias perspectivas econômicas - e ao destino dos EUA.A partir de Ronald Reagan, a ideia de que os EUA são a terra da oportunidade se transformou numa piada. Sindicatos minguaram; universidades se tornaram inacessíveis; a indústria manufatureira foi exportada; os impostos pagos pelos ricos foram reduzidos.A julgar pelas declarações dos candidatos do Tea Party, eles querem de volta os EUA que antecedem o New Deal - um país sem previdência social, sem sindicatos ou salário mínimo. É o país deixado para trás quando elegeu a ordem do New Deal e ajudou a construí-la. Os americanos deveriam querer de volta o seu país, mas deve ser aquele mais próspero e igualitário que floresceu quando os EUA eram um guia para o mundo. /TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALILÉ EDITOR DA "AMERICAN PROSPECT" E "L.A. WEEKLY"

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