20 de fevereiro de 2016 | 04h32
Francisco é, sem dúvida, um pontífice popular e carismático. Mas a revolução que propõe não reflete ruptura com os dogmas da Igreja, como muitos acreditam. Ao contrário disso, ele age exatamente como esperava o Vaticano.
Quando Bento XVI saiu de cena, o colégio de cardeais tinha consciência de que precisava de uma nova celebridade, como João Paulo II, para recuperar o carisma da Igreja. Alguém ao mesmo tempo encantador, capaz de reaproximar a Igreja do povo e atrair as massas de fiéis e politicamente hábil.
Em um discurso de apenas quatro minutos à Congregação Geral, no processo de escolha de um novo chefe para a Igreja Católica, o então cardeal Bergoglio emergiu como a resposta para tais desafios. Ao contrário dos demais, que se concentraram em discutir doutrinas ou questões internas, Bergoglio falou sobre o futuro da Igreja diante do recente declínio. O catolicismo romano, ele disse, precisava abrir-se para o mundo além dos muros do Vaticano e "evangelizar". Ele oferecia uma nova narrativa: a de uma "igreja para todos".
Francisco é essencialmente um missionário. Seus discursos não rompem com a Igreja. Revelam apenas uma tentativa de adaptá-la à realidade, sem fazer grandes reformas. No Brasil, onde está a maior população católica do mundo, 79% das mulheres usaram método contraceptivo no ano passado, segundo a ONU, e o número de separações e de uniões consensuais, sem recorrer ao casamento civil ou à igreja, aumentaram segundo o último censo. Ao adequar o discurso a essa realidade, ele vislumbra atrair de volta milhões de fiéis. Mas continua sendo um conservador. Considera o aborto um "crime" e a contracepção "pecado", exceto em certos casos.
O que Francisco tem feito de mais revolucionário são as mudanças internas, como dar maior transparência no banco do Vaticano e lidar com os crimes de pedofilia. Mas isso também passa por uma tentativa de resgatar a imagem da Igreja e atrair fiéis. O papa é um evangelista, não um reformista, que tenta salvar a Igreja da derrocada. "Evangelizar é nossa revolução", disse em julho, no Equador.
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