'O Paquistão tem o controle do Taleban'

Sem ajuda paquistanesa, dificilmente o Afeganistão se tornará um país estável após a retirada das tropas estrangeiras

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Por Adriana Carranca
Atualização:

A Conferência de Bonn, na Alemanha, que reuniu na semana passada representantes de mais de cem países para decidir sobre o futuro do Afeganistão após a saída das tropas estrangeiras, foi apenas mais um episódio fracassado em uma década de tentativas e erros da comunidade internacional para restabelecer a paz no país, sem que tenha conseguido engajar o principal ator para a solução dos conflitos: o Paquistão."O boicote à Conferência de Bonn é um claro sinal da falta de vontade de Islamabad em cooperar com a comunidade internacional", disse ao Estado o vice-conselheiro de Segurança Nacional do Afeganistão, Ashraf Haidari. Um dos homens mais próximos do presidente afegão Hamid Karzai, ex-consultor político e vice-embaixador em Washington, ele garante que o Paquistão controla efetivamente o Taleban em seu próprio território. Como reflexo do aumento das tensões entre Cabul e Islamabad, Haidari acusa o vizinho de sabotar as tentativas de um acordo de paz com os insurgentes e diz que os militares e o serviço secreto paquistanês (ISI) são omissos.Ele falou duas vezes ao Estado, de Bonn e já de volta à capital afegã, após os atentados suicidas simultâneos contra xiitas em Cabul e Mazar-e Sharif que mataram pelo menos 60 pessoas, na terça-feira, e fizeram Karzai cancelar sua agenda no exterior. Um grupo paquistanês ligado à Al-Qaeda assumiu a autoria dos ataques. A reunião fracassou por causada crise entre Washington e Islamabad (o Paquistão boicotou o encontro em protesto contra a morte de militares no ataque de um drone americano)?O Paquistão reluta em cooperar com o Afeganistão e a Otan para romper (com o Taleban) e desmantelar completamente os santuários (terroristas) em seu território, de onde (os radicais) continuam lançando ataques ao Afeganistão, matando indiscriminadamente civis inocentes. O boicote à Conferência de Bonn é um claro sinal da falta de vontade de Islamabad em cooperar com a comunidade internacional no Afeganistão. Acreditamos que as Forças Armadas e a inteligência paquistanesas tenham capacidade de derrotar o inimigo, mas eles têm de querer fazê-lo. O Taleban está pronto para um acordo de paz?A paz deve ser uma solução permanente. Só quando o Taleban já não mais desfrutar dos santuários e de suporte operacional do Paquistão ele aceitará um acordo de paz. Cumprir com esse compromisso, no longo prazo, servirá a seus próprios interesses em segurança nacional (contra grupos que atuam dentro do Paquistão, como o que atacou xiitas, na terça-feira). Mas o Paquistão, que efetivamente controla o Taleban em seu próprio solo, reluta em cooperar pelo fim da insurgência. No passado, sabotou negociações de paz com insurgentes que desejam renunciar à violência, romper laços com terroristas internacionais e aceitar os termos da Constituição, como o direito de igualdade. Há um sentimento de incerteza e frustração entre afegãos, perplexos com os resultados precários de uma década de investimentos. Como garantir que será diferente na próxima década?Nessa segunda Conferência de Bonn, fizemos um apelo para que a assistência continue nas áreas de segurança, governança e desenvolvimento para garantir uma transição tranquila no fim de 2014, quando a maioria das tropas estrangeiras deixará o país. E propusemos que, depois disso, o compromisso militar e civil continue até que o Afeganistão possa desenvolver uma base sustentável e defender sua soberania contra as ameaças regionais. Mas os doadores internacionais devem aprender a lição dos últimos dez anos: a liderança afegã e o controle sobre a segurança e a reconstrução do Afeganistão devem substituir o mecanismo disfuncional e contraproducente de dar ajuda ao país por meio de uma multiplicidade de estruturas paralelas que se sobrepõem. Essas entidades devem ajudar a construir, em vez de substituir, a capacidade institucional do governo afegão. Esperamos que a capacitação dos afegãos para tomar as rédeas do país ocorra. Mais do mesmo não é aceitável para o nosso governo e o povo.O que o Afeganistão espera da comunidade internacional?Aprendemos que as necessidades para reconstruir e garantir a segurança do Afeganistão são imensas, que as nossas conquistas são ainda um trabalho em progresso. A comunidade internacional não deve cometer o mesmo erro duas vezes, abandonando prematuramente o Afeganistão antes de estarmos firmes sobre nossas próprias pernas. Esse erro ocorreu após a retirada das forças soviéticas do país, em 1989, quando a reconstrução do país pós-guerra foi negligenciada pelo Ocidente - apesar de os afegãos terem lutado, em nome do Ocidente, a mais sangrenta 'guerra proxy' (um conflito no qual as partes se utilizam de terceiros) da Guerra Fria.

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