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O poder da mistura racial na escola

Por Juan Williams
Atualização:

Há 50 anos, o presidente dos EUA Dwight Eisenhower correu o risco de desencadear a segunda guerra civil americana ao enviar mil soldados a uma cidade sulista. Os soldados, com baionetas na boca dos fuzis, protegeram nove estudantes negros que tentavam entrar na Central High School de Little Rock. Até a chegada dos soldados, os adolescentes negros haviam sido barrados pela multidão e pela Guarda Nacional de Arkansas, em desafio ao veredicto da Suprema Corte que proibira a segregação nas escolas em 1954. Os estudantes negros envolvidos transformaram-se na vanguarda de um experimento social. Suas vidas oferecem respostas às perguntas sobre o que acontece com as crianças negras que freqüentam escolas integradas - uma questão sublinhada pela recente decisão da Suprema Corte de declarar inconstitucionais os planos de integração escolar em Louisville e Seattle. Segundo o veredicto de junho, uma iniciativa para misturar estudantes com base na cor da pele viola o direito de todos de ser julgados como indivíduos independentemente da raça. A decisão confirmou uma realidade política: os EUA perderam há muito tempo a disposição de fazer qualquer coisa - transporte de ônibus, colégios com programas especiais antisegregação, ordens judiciais - para integrar as escolas. O nível de segregação nas escolas públicas dos EUA cresce desde 1988, numa reversão da tendência de integração desencadeada pelo caso Brown vs. Comissão de Educação, que resultou na decisão histórica de 1954. O movimento contrário à integração escolar é evidente. O Projeto de Direitos Civis concluiu em 2003 que os 27 maiores distritos escolares do país eram "profundamente" segregados para os estudantes negros e latinos. Hoje, em âmbito nacional, quase metade das crianças negras e latinas está em escolas onde menos de 10% dos alunos são brancos. Essas escolas segregadas têm uma grande porcentagem de famílias de baixa renda e, segundo pesquisadores, "dificuldade de reter professores altamente qualificados". Por outro lado, o estudante branco médio freqüenta uma escola 80% branca e muito mais rica que as escolas para membros de minorias. Essa tendência de isolamento dos estudantes pobres e pertencentes a minorias tem conseqüências - hoje, metade dos estudantes negros e latinos abandona o ensino médio. Escolas integradas beneficiam os estudantes, principalmente as minorias. Uma pesquisa sobre o desempenho a longo prazo de estudantes negros e latinos de escolas integradas indica que eles "concluem mais anos de educação, atingem graduações mais altas e se especializam em atividades mais variadas que os formados em escolas só de negros". Essa conclusão se reflete nas vidas dos Nove de Little Rock, representantes da classe média negra que cresceu rapidamente à medida que escolas melhores se abriram aos negros nos anos 60 e 70. Ernest Green, de 65 anos, que se tornou o primeiro negro formado na Central High School, é o mais proeminente dos nove. Fez mestrado em sociologia e trabalhou nos governos Jimmy Carter e Bill Clinton. É diretor de finanças públicas do banco Lehman Brothers, em Washington. Melba Pattillo Beals, 65, preside o departamento de história afro-americana da Universidade Dominicana em River Forest, Illinois, e é autora de um livro premiado sobre suas experiências na Central High; Elizabeth Eckford, 65, é supervisora de condicional em Arkansas; Gloria Ray Karlmark, 64, mudou-se para a Suécia para trabalhar na IBM e depois fundou e editou a revista Computers in Industry; Carlotta Walls LaNier, 64, criou uma imobiliária no Colorado; Terrence Roberts, 65, é psicólogo na Califórnia; Jefferson Thomas, 64, lutou no Vietnã e trabalhou quase 30 anos no governo de Ohio; Minniejean Brown Trickey, 66, trabalhou no governo Clinton e é professora da Universidade Estadual de Arkansas; e Thelma Mothershed Wair, 66, tornou-se professora. Parte do sucesso do grupo vem de sua capacidade de misturar-se facilmente com pessoas negras e brancas e ingressar confortavelmente nas redes sociais e profissionais que a segregação fechava para os negros. Na verdade, a maioria dos nove trabalhou em organizações de maioria branca. E quatro se casaram com brancos (três negras se casaram com brancos e um negro se casou com uma branca). No livro Turn Away Thy Son (Rejeita teu filho), Elizabeth Jacoway, nascida no Arkansas, observa que os nove nunca posam para uma foto em grupo com seus cônjuges brancos ou filhos mestiços. Jacoway acredita que eles não querem abalar o orgulho negro por seu sucesso nem reavivar temores segregacionistas sobre o sexo inter-racial. Terrence Roberts, que se tornou professor de psicologia, acredita que "o medo da presença de negros na família" ainda é uma força que afasta os americanos da escola integrada. Para Ernest Green, cuja primeira mulher era branca, trata-se do "problema do zíper". "Sexo e raça são altamente inflamáveis." A filha mestiça de Minniejean Brown Trickey, Spirit Trickey, trabalha como guia do serviço de parques num memorial dos acontecimentos na Central High. Ela diz que os visitantes costumam perguntar por que tantos membros do grupo dos nove romperam o tabu do casamento inter-racial. "Minha resposta é que os Nove de Little Rock seguiram os princípios da não-violência", afirmou ela. "Eles se casaram com quem amavam. Mas é revelador o fato de tantas pessoas perguntarem sobre isso. Mostra onde estamos hoje." TRADUÇÃO DE ALEXANDRE MOSCHELLA *Juan Williams é analista político da National Public Radio e da Fox News e autor de ?Enough? (Basta) e ?Eyes on the Prize: America?s Civil Rights Years, 1954-1965? (De Olho no prêmio: a era dos direitos civis na América, 1954-1965). Escreveu este artigo para o Washington Post

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