PUBLICIDADE

O quarto espião em Los Alamos conhecia os segredos internos da bomba atômica

Os documentos no laboratório de Los Alamos mostram que o espião ajudou a projetar o gatilho de explosão da bomba

Por William J. Broad
Atualização:

LOS ALAMOS - No ano passado, dois historiadores revelaram que outro espião soviético, com o codinome Godsend, havia se infiltrado no laboratório de Los Alamos onde a primeira bomba atômica do mundo foi fabricada. Mas não conseguiram decifrar os segredos que ele passou para Moscou ou a natureza do seu trabalho.

Entretanto, o laboratório recentemente liberou documentos que até então eram sigilosos, detalhando o emprego de espiões altamente especializados e provavelmente ladrões de segredos atômicos, e um caso mundano de espionagem se tornou um fato da história mais danoso.

Primeiro teste atômico da então União Soviética foi feito em 29 de agosto de 1949, em uma área do Casaquistão, encerrando o monopólio dos EUA e dando início à Guerra Fria Foto: AP

PUBLICIDADE

O espião, cujo nome real era Oscar Seborer, tinha um grande conhecimento dos trabalhos de fabricação da bomba. Um conhecimento que muito provavelmente ultrapassava o dos três espiões soviéticos conhecidos em Los Alamos, e teve um papel crucial na capacidade de Moscou para rapidamente copiar o complexo dispositivo. Em 1949, quatro anos depois de os americanos testarem a bomba, os soviéticos detonaram uma réplica dela pondo fim abruptamente ao monopólio de Washington no campo das armas nucleares.

‘É fascinante”, disse Harvey Klehr, autor do estudo anterior, em uma entrevista. “Não tínhamos ideia de que isto era tão importante."

Os documentos de Los Alamos mostram que Seborer ajudou a projetar o gatilho de explosão da bomba – em particular os circuitos dos seus detonadores. O desenvolvimento bem sucedido da tecnologia permitiu a Los Alamos reduzir de modo significativo o volume de combustível caro necessário para bombas atômicas e deu início a uma longa tendência de miniaturização das armas. A tecnologia dominou a era nuclear, especialmente o design de ogivas de mísseis pequenas, leves e com enorme potência.

O conhecimento mais profundo de Seborer contrasta com a espionagem como é conhecida. O primeiro espião em Los Alamos deu aos soviéticos uma visão geral da bomba. Assim como também o segundo e o terceiro.

Confira também o infográfico: 70 anos da primeira bomba atômica soviética

Publicidade

Por dentro da bomba atômica RDS-1 

Os novos indícios sugerem que os furtos de Seborer “podem ter sido únicos”, disse Alex Wellerstein, historiador no Stevens Institute of Technology em Hoboken, New Jersey. “Não quer dizer que foram, mas que podem ter sido."

Klehr, professor emérito de política e história na Emory University, disse que as novas informações deixam claro uma ostentação furtiva sobre o crime. No ano passado, em um documento científico, os dois historiadores observaram que Seborer fugiu dos Estados Unidos em 1951 e desertou para o bloco soviético com seu irmão mais velho, Stuart, sua cunhada e sua madrasta.

Diz também que um informante do FBI soube que um conhecido comunista da família Seborer os tinha visitado. A família vivia em Moscou, tendo assumido o sobrenome Smith. O visitante reportou que Oscar e Stuart haviam dito que seriam executados “pelo que fizeram” se um dia retornassem aos Estados Unidos.

Numa entrevista recente, Klehr afirmou que, de início, achou que os espiões estavam exagerando sua importância. Mas as novas informações sobre o conhecimento técnico de Oscar sugeriram o contrário, embora o papel exato de Stuart no caso de espionagem não estivesse claro.

CONTiNUA APÓS PUBLICIDADE

No ano passado, os historiadores descreveram a família Seborer como sendo uma família judia da Polônia que, em Nova York, “fez parte de uma rede de pessoas ligadas à inteligência soviética.” Oscar e Stuart frequentaram o City College, “um viveiro do ativismo comunista”, disseram os historiadores.

Stuart fez um curso de matemática ali em 1934 com Julius Rosenberg, eles disseram. Num conhecido caso de espionagem durante a Guerra Fria, Rosenberg e sua mulher, Ethel, foram acusados de fornecer segredos atômicos para os soviéticos. Foram condenados e em 1953 executados na prisão de Sing Sing em Ossining, Nova York, deixando órfãos os dois filhos de 6 e 10 anos.

O documento acadêmico, escrito com John Earl Haynes, antigo historiador da Biblioteca do Congresso, foi publicado na edição de setembro da revista Studies in Intelligence. A revista trimestral da CIA é publicada e distribuída para as agências de inteligência do país e para estudiosos independentes e acadêmicos.

Publicidade

Um dispositivo “incrivelmente complicado”

Todos os três espiões conhecidos anteriores de Los Alamos falaram aos soviéticos sobre um método secreto de detonação de bombas conhecido como implosão. A técnica resultava numa bomba muito mais sofisticada do que a lançada sobre Hiroshima em 6 de agosto de 1945. 

Um protótipo do dispositivo de implosão fora testado com sucesso no deserto do Novo México em julho de 1945 e uma bomba de design similar derrubada sobre Nagasaki em 9 de agosto daquele ano. Quatro anos depois, os soviéticos testaram, com sucesso, um dispositivo de implosão.

As primeiras bombas dependiam de dois tipos de combustível metálico - urânio e plutônio. A bomba lançada sobre Hiroshima explodiu pela descarga de um cilindro do combustível de urânio num segundo, para formar uma massa crítica. Os átomos então se despedaçaram numa cadeia furiosa de reações liberando enormes explosões de energia.

Em contraste, a bomba de implosão começou com uma bola de plutônio cercada por uma ampla esfera de explosivos convencionais. Deliberadamente, sua detonação produzia ondas de pressão extremamente focadas e concentradas. As ondas pulverizavam com a força gigantesca à medida que a densa bola de plutônio era comprimida ficando muito mais tensa, desencadeando a explosão atômica.

Os novos documentos mostram que Seborer participou das atividades centrais para se conseguir a implosão. A unidade que o empregou, conhecida como X-5, projetava os circuitos de disparo dos 32 detonadores da bomba. Para reduzir as possibilidades de falhas técnicas, cada detonador era ajustado com dois cabos levando o total a 64. Glen McDuff, um cientista de Los Alamos, qualificou os circuitos de disparo da bomba como “incrivelmente complicados".

Um desafio importante para os designers na época da guerra era que os 32 disparos tinham de ser quase simultâneos. Se não, a onda de compressão esférica seria irregular e a bomba um fiasco. De acordo com uma história oficial de Los Alamos, os projetistas entenderam tardiamente a necessidade de um “alto grau de simultaneidade”.

Publicidade

Vestígios possíveis da atividade de espionagem de Seborer aparecem em arquivos russos cujo segredo oficial foi levantado, afirmou Wellerstein, do Stevens Institute of Technology, em uma entrevista. Os documentos mostram que cientistas soviéticos “passaram muito tempo analisando a questão do circuito dos detonadores”, disse ele, e incluem um diagrama que parece ter derivado de espionagem.

Manter silêncio a respeito

Os documentos de 1956 que mostram o crime de Seborer, mas explicam pouco por que os Estados Unidos mantiveram a natureza do seu trabalho e a provável espionagem em segredo durante 64 anos.

Uma possibilidade tem a ver com a política interna. Vários escândalos de espionagem atômica abalaram o país no início da década de 50, começando com a prisão do primeiro espião de Los Alamos. Seu depoimento levou à captura do segundo e à execução do casal Rosenberg. A histeria anticomunista da era McCarthy atingiu seu ápice entre 1950 e 1954. O presidente Dwight Eisenhower, que se colocava acima de qualquer debate, começou a reagir contra os vazamentos de informação e ordens administrativas arbitrárias.

Klehr, da Enmory University, disse que foi somente no final de 1955 que o FBI revelou pela primeira vez evidências de que Seborer era um espião soviético, desencadeando a investigação que levou à correspondência de Los Alamos de setembro de 1956. Uma campanha presidencial na época estava em curso e a última coisa que Eisenhower precisava era de outro escândalo de espionagem. O mesmo ocorreu em 1960, quando o vice-presidente de Eisenhower, Richard Nixon, disputou a Casa Branca com John F. Kennedy.

Uma razão mais provável do silêncio, disse Kehr, era a inconsistência das provas contra Seborer. Nada nos arquivos divulgados para o público pelo FBI sugere que mandados foram obtidos para usar escutas telefônicas, uma exigência legal. Nem o departamento sabia a identidade do mensageiro entre Seborer e seus controladores soviéticos. Finalmente, os dois principais suspeitos estavam na Rússia, foca do alcance. Era duvidoso que os homens da lei “conseguissem obter mesmo um indiciamento”, disse Klehr.

Ele observou também que grande parte da informação do FBI sobre os irmãos Seborer veio de uma operação secreta muito bem sucedida conhecida como Solo, com infiltrações no Partido Comunista dos Estados Unidos nos anos 1950 e um monitoramento contínuo até 1977. Muito provavelmente, o FBI não queria nada que implicasse um risco de revelar as identidades dos seus informantes. / TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO 

Publicidade

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.