Americas Quarterly: O que esperar de Pedro Castillo

Plano econômico do candidato de esquerda Pedro Castillo desafia elites e pode tornar inviável sua permanência no poder no Peru

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Por Andrea Moncada e Americas Quarterly
Atualização:

LIMA - Apesar de os votos ainda estarem sendo contados, parece que Pedro Castillo, professor de origem camponesa e plataforma socialista, será o novo presidente do Peru. Praticamente desconhecido como candidato antes de subir surpreendentemente nas pesquisas e vencer o primeiro turno da eleição, em 11 de abril, Castillo tem propostas para a economia que causam alarme e incerteza entre as elites econômicas do Peru, que temem que sua presidência porá fim ao modelo econômico de livre mercado que vigora no país desde os anos 1990.

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A maior promessa de Castillo tem base numa mensagem simples que ele repetiu várias vezes durante a campanha: “Basta de pobres em um país rico” – querendo dizer que os recursos do Peru deveriam beneficiar toda a população e não, como ele afirma, somente as corporações e as elites que têm explorado e ignorado os peruanos comuns. A maneira de fazer isso, de acordo com seu partido político, Peru Livre, que segue a ideologia marxista, é o Estado controlar a indústria e participar diretamente da economia.

Contudo, enquanto essa mensagem pode ter agradado a muitos peruanos e provocado pânico em outros, não está claro se Castillo será capaz de implementar suas políticas da maneira que prometeu. Na verdade, o cenário mais provável para os próximos cinco anos do país pode ser resumido em uma palavra: desgoverno. 

O candidato presidencial de esquerda Pedro Castillo, do Peru Libre, acena para simpatizantes da sede de seu partido em Lima. Foto: (Photo by Gian MASKO / AFP)

Castillo enfrentará altos índices de oposição no recém-eleito Congresso, que se colocará em grande parte contra ele: o Peru Livre conquistou 37 dos 130 assentos do Legislativo, e haverá somente mais um partido de esquerda representado na Casa, Juntos pelo Peru, que obteve apenas 5 assentos. As outras oito bancadas parlamentares são todas de centro direita ou de direita, o que tornará a maioria das promessas dele difícil de cumprir.

Por exemplo, Castillo quer convocar um referendo nacional para aprovar a criação de uma Assembleia Constituinte, que então redigiria uma nova Constituição. O foco dele na Constituição tem um objetivo principal: mudar o capítulo da Carta a respeito da economia. Conforme o texto atual, o Estado só pode entrar em negócios comerciais quando autorizado por leis específicas e quando isso atende ao interesse nacional. O objetivo, então, é modificar esse capítulo para que o governo seja capaz de, por exemplo, nacionalizar os setores de mineração e energia ou modificar unilateralmente contratos de empresas, para que elas passem a pagar mais impostos.

O maior problema dele é que nossa atual Constituição não inclui um artigo que regulamenta a implementação de uma Assembleia Constituinte. Então, o Executivo teria primeiramente de apresentar uma lei ao Congresso para incluir esse mecanismo. A legislação precisaria de 87 votos parlamentares em dois turnos consecutivos, um apoio com o qual Castillo não conta imediatamente.

Também existe a ameaça de impeachment. Desde que Martín Vizcarra foi deposto da presidência, em 2020, sob a acusação de “incapacidade moral”, impedir um presidente passou a ser visto como uma opção viável para muitos peruanos. Tanto que, durante a campanha, muitos eleitores que não quiseram apoiar Keiko Fujimori, mas ainda temiam as políticas de Castillo, argumentaram que era melhor ele ser eleito, pois seria mais fácil removê-lo do cargo. Uma linha de pensamento que, sem dúvida, muitos parlamentares eleitos já têm em mente, considerando-se que são necessários apenas 52 votos no Congresso para aprovar uma moção para discutir a possibilidade de impeachment.

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Evidentemente, esses cenários supõem que o presidente Castillo respeitará o estado de direito. Mas, e se ele decidir agir unilateralmente, talvez dissolvendo o Congresso para contornar o “problema” do processo democrático? Nessa hipótese, ele também enfrentará bastante rejeição, de uma agressiva oposição política, um enfurecido setor privado, uma mídia hostil e, mais importante, de um Exército que não tem mostrado nenhum sinal de estar disposto a romper com a ordem constitucional.

E também há Keiko Fujimori. Na quarta-feira, a oponente de Castillo na corrida presidencial solicitou à comissão eleitoral que invalide mais de 200 mil votos que, argumenta sua equipe, sem nenhuma prova crível, são fraudulentos. Tal como vai a coisa, é difícil dizer se as autoridades eleitorais decidirão a favor de Keiko. Se não, ela fará uma oposição bastante agressiva e beligerante contra Castillo – na data da publicação deste artigo, o Ministério Público do Peru tinha pedido um mandado de prisão contra Keiko por ela ter violado o acordo de liberdade condicional que a permitiu deixar a prisão, no ano passado.

O verdadeiro teste para uma presidência de Castillo será sua capacidade de realmente criar uma realidade econômica mais justa e maior inclusão na política para os peruanos comuns. Ao longo dos quatro governos mais recentes, ouvimos as elites afirmarem que o Peru é uma das economias que crescem mais rapidamente, que os números macroeconômicos mostravam grande disciplina fiscal e a prioridade era atrair investimento estrangeiro ao país. 

Tudo isso era verdade, mas faltava um ingrediente crucial: garantir que o crescimento econômico melhorasse verdadeiramente a qualidade de vida da população. E nada ilustra melhor o fracasso do Estado em conseguir isso do que o fato de a pandemia de covid-19 ter aumentado a pobreza no Peru em 10 pontos porcentuais, entre 2020 e 2021. Demoramos dez anos para reduzir a pobreza nesse mesmo índice.

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Ao longo das duas décadas mais recentes, enquanto muitos países estavam tendendo à esquerda, a economia de livre mercado do Peru parecia imune à mudança. Alguns citavam nosso medo de políticas esquerdistas após as traumáticas experiências da hiperinflação e do Sendero Luminoso, nos anos 1980 e 1990. Ou talvez estivéssemos vivendo numa oligarquia esse tempo todo. 

A combinação entre sociedade civil e sindicatos enfraquecidos depois de anos de políticas neoliberais, somada a partidos políticos informais, permitiu à elite econômica influenciar a formulação de políticas sem ter de participar diretamente da política, e isso reduziu a capacidade da esquerda de desafiar o status quo. Até agora. A eleição de Castillo sinaliza o fim de uma era no Peru, um fim temido e, em igual medida, há muito esperado. Resta ver o que resultará deste novo período. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL*É ANALISTA E COORDENADORA DA SEÇÃO DE OPINIÃO DO JORNAL ‘EL COMERCIO’. MONCADA LECIONA CIÊNCIA POLÍTICA E RELAÇÕES INTERNACIONAIS NA UNIVERSIDADE ESAN, EM LIMA 

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