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O que herdamos em 2016

Por Adriana Carranca
Atualização:

Ano novo, vida nova? Não. Aos que pularam as sete ondas, jogaram rosas para Iemanjá: desculpem-me a carranquice, é força do sobrenome, mas o mundo segue exatamente como o deixamos em 2015 – o calendário gregoriano é uma invenção cristã. Mas há motivos para celebrar. Listo aqui sete conquistas importantes do ano findo que herdamos para 2016: O menor índice de extrema pobreza na História. O ano começa com menos de 10% da população vivendo com renda inferior a U$ 1,90 ao dia, segundo o Banco Mundial. São ainda 700 milhões de pessoas. Mas são menos do que os 37% de 1990. Não significa que vivamos em um mundo menos desigual. Os ricos estão muito mais ricos e os pobres, um pouco menos pobres (para compreender o fenômeno, inclua entre as promessas para 2016 a leitura de Capital in the Twenty-First Century, de Thomas Piketty). A vacina contra o ebola. Testada na Guiné, protegeu 100% dos vacinados expostos ao vírus, informou a OMS. A boa notícia veio após o maior surto desde a descoberta do vírus, com mais de 11 mil mortos. Também houve avanço nas pesquisas da vacina contra a malária, embora a disseminação de outras formas de prevenção ainda seja a principal arma contra a doença, que mata mais do que terrorismo e guerras somados. O fim da poliomielite na África. Em agosto, o continente completou 12 meses sem novos casos da doença. Isso foi possível graças a milhares de voluntários que participaram dos esforços da OMS, Unicef e Fundação Bill e Melinda Gates para imunizar todas as crianças na Nigéria – desafio e tanto em um país de tribos nômades, conflitos regionais e radicalismo religioso. Se novos casos não surgirem até julho de 2017, a África será declarada livre da doença. O vírus que já circulou por 125 países resiste no Afeganistão e no Paquistão.  Dois acordos históricos. O restabelecimento das relações diplomáticas entre EUA e Cuba e o acordo nuclear com o Irã, embora frágil, mostraram que é possível avançar politicamente, sem a derrubada imediata de regimes autoritários com guerras que acabam por produzir cenários piores do que antes.  A vitória da democracia. Eleições históricas em Mianmar, em novembro, garantiram maioria parlamentar à Liga Nacional pela Democracia, da líder da oposição Aung San Suu Kyi. Embora os militares mantenham privilégios políticos, parecem dispostos a compartilhar o poder pela primeira vez desde 1960. Houve outros avanços, como a troca democrática de governos em Burkina Faso, Nigéria e Tanzânia.  O avanço dos direitos civis. Nos EUA, o casamento gay passou a ser reconhecido legalmente em todo o território nacional. O mesmo na Irlanda. Moçambique descriminalizou as relações entre pessoas do mesmo sexo. Na China, a política de um filho foi abolida. Um Nobel da Paz para a Primavera Árabe. A vitória do quarteto tunisiano foi um alento para milhões que foram às ruas por liberdade e uma prova de que um caminho mais democrático e pacífico é possível no mundo árabe, apesar dos maus exemplos de Egito, Líbia, Síria e Iêmen. Foram conquistas históricas, não antecipadas há um ano. Mostram sobretudo que, quando há vontade política, consegue-se o imprevisto e até o que julgávamos impossível (no Brasil, a operação Lava Jato não me deixa mentir). Vontade política nasce da pressão pública. Por quase dois séculos, prevaleceu a ideia malthusiana de que a pobreza era inevitável. Em 2000, quando a ONU convocou os estados membros a reduzi-la, 43% da população ainda viviam nessa condição. Em uma década, caiu para 21% e agora à metade disso. A transformação que possibilitou o avanço foi a consciência coletiva de que a pobreza não é natural, mas uma distorção. Reconhecer o inaceitável – na desigualdade, no terrorismo, nas guerras, na xenofobia – seria um bom começo para 2016. Que seja um ano melhor a todos.

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