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O que Putin quer com essa eleição?

Por Gilles Lapouge
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A Rússia vota hoje para eleger os 450 deputados da Duma, a câmara baixa do Parlamento. Eleições legislativas, então? Certo. Mas, essas eleições legislativas encerram dentro de si, como as bonecas russas, um outro escrutínio bem camuflado, que nada mais é do que um referendo. Todo o russo sabe que hoje votará, na verdade, "por" Putin ou "contra" Putin. E sabe também que o vencedor será o partido de Putin, Rússia Unida, com uma maioria confortável, talvez com dois terços dos votos. Duas explicações para essa vitória programada. Primeiro, não há nenhum partido capaz de competir com o de Putin. Segundo, Putin é adorado pelos russos porque lhes devolveu confiança, dinheiro e dignidade. Quando o beberrão Yeltsin entregou a Rússia a esse desconhecido funcionário chamado Putin, a Rússia era uma confusão. Em poucos anos, o país ressuscitou. A popularidade de Putin é tão alta, aliás, que não se compreende por que o Kremlin gasta tanta energia para assegurar a vitória da Rússia Unida. Uma dupla operação se desenvolve para que o pleito se torne um plebiscito a favor de Putin. De um lado, os raros adversários são reprimidos. Quando 300 infelizes entoam slogans hostis a Putin, a polícia investe e coloca na prisão o líder dos opositores, o ex-campeão de xadrez Garry Kasparov. Paralelamente, todas as TVs, que estão nas mãos de Putin, não param de falar do presidente. Essa vontade de conseguir uma maioria enorme, à moda soviética, levanta duas questões. Se sua vitória fosse menos arrasadora, pareceria menos séria? E o que Putin pretende fazer com a vitória? É preciso lembrar as próximas disputas eleitorais: em 2 de março de 2008, o povo votará para presidente, mas Putin não poderá se candidatar a um terceiro mandato. O problema é que Putin ama o poder e não vê razão para sair de cena com uma popularidade tão alta. Então, ele imaginou um truque para conservar o poder sem desrespeitar a Constituição. É simples: nas eleições legislativas, ele conduz a Rússia Unida a uma vitória esmagadora. Os outros partidos são pulverizados. Como premiê, mesmo que ele deixe de ser presidente, continuará sendo o chefe da Rússia. Mas que presidente será eleito em março? Circulam alguns nomes, todos com um ponto em comum: são aliados do presidente e tão vulneráveis que, se Putin quiser pode quebrá-los como se quebra uma casca de ovo na mão. Segundo Vitali Portnikov, da revista polonesa Politika, o futuro presidente será uma marionete de Putin, que se tornará o chefe espiritual da nação, um aiatolá Khomeini russo. Quanto a mim, não imagino Putin contentando-se com o papel de conselheiro. Será que ele ousará transpor o desfiladeiro e inventar um posto talhado à sua medida para continuar governando o país? Será que ele terá coragem de realizar um golpe de Estado para cumprir um terceiro mandato? Certamente, sua saída será uma falsa saída. Putin continuará a empurrar a Rússia na via de seu renascimento como grande nação. No plano interno, ele aumentará o controle do Estado sobre o aparelho produtivo por meio do gás e do petróleo - recursos que o Kremlin controla totalmente - nem que precise colocar na prisão alguns novos oligarcas. No plano externo, ele quer devolver à Rússia o título de superpotência perdido com a queda da URSS. Putin aplicará uma política intratável em relação ao Ocidente, guerreando contra as antigas democracias populares, como Ucrânia e Geórgia, seduzidas pelo Ocidente. Ele não hesitará em se mostrar ameaçador se o campo ocidental o incomodar, mesmo que precise recorrer, como nos bons tempos da URSS, a ameaça nuclear. Evidentemente, nas repúblicas russas e nas antigas repúblicas soviéticas, ele instalará seu pessoal, seus clientes, venderá seus produtos, seu petróleo e suas armas, enquanto seguirá destruindo na Chechênia, na Ingushetia ou alhures, povos inteiros culpados de amar a liberdade. *Gilles Lapouge é correspondente em Paris

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