O que virá a seguir em Cuba?

Nenhum obstáculo diminuirá a importância do anúncio histórico de Obama e Raúl Castro

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Por WILLIAM M. , LEOGRANDE e LOS ANGELES TIMES
Atualização:

O histórico acordo entre os presidentes Barack Obama e Raúl Castro marcou o início daquilo que o presidente americano chamou de "novo capítulo" nas relações entre os EUA e Cuba, mas ainda estamos na primeira página. O restante do capítulo ainda precisa ser escrito.O que virá a seguir? Ninguém deve esperar que as coisas mudem da noite para o dia. Foram necessários seis anos após a histórica visita do presidente Richard Nixon à China, em 1972, para que americanos e chineses retomassem as relações diplomáticas, e outros 15 até que Washington concedesse a Pequim status de país mais favorecido no comércio.O avanço em Cuba ocorrerá mais rapidamente, mas há medidas fundamentais que exigem o consentimento do Congresso. O núcleo do embargo econômico americano à ilha continua em vigor. A maioria das exportações dos EUA é proibida e Cuba não pode exportar nada para os EUA, o que limita a capacidade de Havana de obter o dinheiro necessário para concretizar o pleno potencial do comércio bilateral. Obama prometeu negociar com o Congresso a suspensão do embargo, mas as sanções comerciais foram convertidas em lei - a Lei Helms-Burton, de 1996. Com a maioria republicana em ambas as Casas atacando a política externa de Obama, invalidar a Lei Helms-Burton será muito mais difícil do que chegar a um acordo com Havana.Mesmo que Obama recupere sua autoridade executiva para negociar o fim do embargo, Washington ainda exigirá compensações pelas propriedades americanas nacionalizadas e Cuba exigirá indenizações pelos danos causados pela guerra secreta da CIA e por meio século de sanções econômicas.Seguindo instruções de Obama, o secretário de Estado, John Kerry, está revendo a inclusão de Cuba na lista de países patrocinadores do terrorismo elaborada pelo Departamento de Estado. É quase certo que ele decidirá pela remoção de Cuba, pois não há base factual para essa designação. Isso, porém, exige que o Congresso seja notificado, dando aos críticos republicanos uma oportunidade para impedir a exclusão de Cuba da lista.O líder do coro republicano contrário à nova política é o senador Marco Rubio, da Flórida, que prometeu impedir a confirmação do nome indicado por Obama para ser o embaixador americano em Havana. A participação de Rubio na Comissão de Relações Exteriores do Senado - ao lado do senador democrata Bob Menendez, de New Jersey, outro cubano-americano que faz críticas à política de Obama - torna improvável uma rápida confirmação. Rubio e Menendez podem atrasar a nomeação na comissão, mas não podem impedir Obama de retomar relações diplomáticas plenas com Cuba. A Segunda Emenda da Constituição confere tal poder exclusivamente ao presidente.Os republicanos também ameaçam obstruir a política externa de Obama ao anexar emendas relativas a Cuba a leis de dotação orçamentária cuja aprovação é obrigatória. No entanto, essa estratégia não poderá ser usada por quase um ano, quando as próximas leis serão votadas. Até lá, as relações com Cuba podem estar tão consolidadas que até os republicanos podem pensar duas vezes antes de pedir que o status quo volte ao que era antes.Diálogo. Enquanto os debates envolvendo Cuba se desenrolam no Capitólio, Washington e Havana prosseguirão com seu diálogo, tratando de assuntos que o recente acordo não solucionou. Os EUA continuam financiando programas secretos de "promoção da democracia" em Cuba para estimular a oposição - que levaram, por exemplo, à prisão de Alan Gross, funcionário da Agência para o Desenvolvimento Internacional, libertado recentemente depois de passar cinco anos preso. Em seu discurso, Obama indicou o fim dos esforços americanos para desestabilizar o governo cubano, dizendo que "buscar o colapso do governo é algo que não serve aos interesses americanos, nem aos do povo de Cuba". No entanto, funcionários do alto escalão do governo americano dizem que esses programas "não vão desaparecer". Qual será o novo foco dessas atividades nessa era de reaproximação? Os EUA ainda gastam milhões todos os anos com as emissoras de rádio e TV Martí, para Cuba, embora o sinal de TV seja embaralhado e o público da rádio seja cada vez menor. Cuba diz que as transmissões violam sua soberania e, anos atrás, propôs aceitar os sinais da PBS e CNN na TV doméstica se as operações da TV e da Rádio Martí fossem suspensas.Será que um acordo semelhante poderia ser firmado agora? Enquanto Washington e Havana cooperam na luta contra o Ebola, os EUA mantêm um programa que oferece aos trabalhadores cubanos da área de saúde no exterior um caminho rápido para a residência legal nos EUA em caso de deserção. O desacordo em relação a esse programa pôs fim à cooperação no Haiti após o terremoto de 2010. Sua eliminação estará na pauta cubana para o aprofundamento da cooperação em resposta a emergências globais de saúde. Por fim, o último ponto da pauta será Guantánamo. Cuba afirma que o local faz parte de seu território soberano e quer a saída dos EUA. Washington insiste na validade do acordo de 1934, arrendando a base aos americanos.A litania de obstáculos a serem superados antes que as relações entre Cuba e EUA sejam totalmente normalizadas não deve diminuir a enormidade dos passos dados por Obama e Castro. Eles substituíram uma moldura de animosidade do período da Guerra Fria por uma política de envolvimento e cooperação digna do século 21. Esse novo capítulo oferece os meios para administrar os interesses quando houver conflito e para chegar a acordos nos temas em que houver concordância nas posições. Uma série de acordos desse tipo deve se seguir brevemente em áreas como combate às drogas, as operações de busca e resgate da Guarda Costeira, prevenção de danos e resposta a desastres e cooperação policial no combate ao tráfico de seres humanos.Em abril, durante a sétima Cúpula das Américas, no Panamá, os dois presidentes continuarão seu diálogo e darão os próximos passos no caminho da reconciliação. Trata-se de uma estrada longa, cheia de curvas e buracos que podem retardar o progresso e, ocasionalmente, levar a recuos. Mas, finalmente, após 55 anos de antagonismo, a jornada começou. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL É PROFESSOR NA UNIVERSIDADE AMERICANA, DE WASHINGTON D.C.

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