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O rastro da visita do líder chinês, Xi Jinping, na Europa

Ele confirma seu talento de apresentar antes os problemas que afligirão a sociedade moderna

Por Gilles Lapouge
Atualização:

Xi Jinping voltou a seu país infinito após uma densa viagem à Europa Ocidental sem que nenhum incidente a perturbasse – ao contrário do que ocorre na maioria das viagens de seu colega americano, Donald Trump, que mantém o título de campeão invicto dos confrontos diplomáticos. Com Xi, o diálogo é entre pessoas de classe, bem informadas, cultas e atentas ao discurso do outro. Pelo menos na aparência. 

Emmanuel Macron e a primeira-dama Brigitte Macron, à direita, recebem o presidentechinês, Xi Jinping, e sua esposaPeng Liyuan em Paris Foto: (AP Photo/Francois Mori)

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Um dos eixos das discussões sino-europeias foi a rivalidade entre os “multilateralistas”e os “unilateralistas”. Donald Trump, unilateralista convicto, detesta reunir-se com “blocos”, “uniões”, “assembleias”. Tudo que é supranacional o incomoda. Ele sem dúvida se sente muito mais à vontade numa luta na qual todos os golpes são permitidos. 

Emmanuel Macron, ao contrário, sente-se como um peixe n’água em reuniões de que participam muitos países. É por isso que ele ama a União Europeia, que congrega todos os países de um continente. Ele gosta de falar em nome de vários Estados. Isso explica a ginástica acrobática à qual ele se entregou durante a visita de Xi Jinping a Paris. Estava previsto inicialmente um tête-à-tête entre o chinês e o francês, mas Macron conseguiu mudar o formato da reunião. Ele convidou também a alemã Angela Merkel, uma das personalidades da União Europeia, e o presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Junker. Jogada de mestre!

Xi Jinping entrou no jogo. Vale lembrar que ele, como Macron, é favorável às negociações multilaterais, ao livre mercado. Mas isso só é verdade em parte. Xi pratica o multilateralismo à sua maneira, que não é a mesma de Macron. Ele tem em vista várias Europas: Europa Ocidental (Alemanha, França, etc), Europa do Sul, Central, Oriental... Com cada uma ele fala de um modo. Assim é, no fundo, o senhor Xi: multilateralista, mas jogando com a carta bilateral sempre que pode. 

Pequim lançou o que chama de “nova Rota da Seda” – um gigantesco projeto pelo qual serão investidos bilhões de euros em países europeus para melhorar sua infraestrutura (portos, rodovias, etc.) ao longo do futuro traçado da nova Rota da Seda. 

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Eis porque Xi reservou para a Itália a primeira etapa de sua visita. Ocorre que a Itália se mostrou subitamente favorável ao projeto chinês, pouco se lixando se outros países europeus e a Comissão Europeia vejam com reservas o que pode se tornar uma apropriação chinesa do sistema de produção europeu.

Em Roma, Xi abriu largamente a burra para se infiltrar no aparelho econômico italiano, investindo nos portos de Gênova e de Trieste. Isso justifica certas desconfianças da Comissão de Bruxelas, convencida de que essa Rota da Seda pode se tornar um instrumento sob medida para fracionar a unidade e coesão da UE.

Frente a essas ofensivas sutis, Macron quis mostrar a Xi que a Europa estava ali, com três pesos-pesados: ele e seus dois convidados, Angela Merkel e Jean-Claude Juncker. Foi uma boa tática do presidente francês. Infelizmente, os três campeões europeus não estão no melhor de sua forma. 

Macron, apesar de decidido e inteligente, sofreu por sua negligência e vaidade uma queda de popularidade. Continua sendo um homem poderoso. 

O segundo campeão escalado para enfrentar o chinês, o presidente e “homem forte” da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, está em fim de mandato. Chegamos a Angela Merkel, a alemã que foi por muito tempo a verdadeira locomotiva da UE. Mas ela também está no ocaso e sua autoridade, enfraquecida. 

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Macron jogou bem e soube utilizar com habilidade seu cacife para mostrar ao imperador chinês a vitalidade do conjunto europeu. Ele conseguiu demonstrar que essa UE, da qual tantas vozes já anunciaram o declínio e até a morte, mantém seus músculos e cérebro.  Talvez esse sobressalto ajude a consolidar uma Europa varada de flechas. Macron está apto a assumir, como sucessor de Merkel, o papel de figura dominante na UE, talvez até salvá-la. A má notícia é que, no momento, ele está sozinho para realizar esse trabalho de titã./ TRADUÇÃO DE ROBERTO MUNIZ

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