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O renascimento africano

Pela primeira vez em décadas, otimismo com crescimento econômico supera desânimo com guerras e miséria

Por Mariana Della Barba
Atualização:

Miséria, genocídio, estupros em massa, descaso, meninos-soldados. Todas as tragédias que se transformaram em sinônimo de África continuam lá, mas boas notícias vêm surgindo em diferentes cantos do continente. Elas revelam uma nova e pouco conhecida faceta africana, que está animando de ativistas políticos a grandes empresários. Depois de cair no limbo após a Guerra Fria, o continente começa a atrair investimentos externos - boa parte bancados pela China -, aproveitando a alta nos preços de commodities, como petróleo e minérios, abundantes em muitas nações africanas. Relatório do Fundo Monetário Internacional (FMI) confirma que a África está desfrutando de seu melhor período de expansão econômica sustentável desde o fim do período colonial, há quatro décadas. O crescimento médio do continente foi de 6,1% este ano - maior do que o da América Latina, de 5,2% -, com previsão de 7% para 2008. "Nos 25 anos em que trabalho na África, nunca estive tão otimista", disse o americano John Prendergast, ex-conselheiro do governo dos EUA e diretor do projeto Enough (Basta), que luta contra o genocídio no Sudão. Algumas nações africanas estão entre as que mais cresceram no planeta. Um exemplo é Angola, cuja expansão de 23% do PIB em 2007 só ficou atrás do Azerbaijão (31%). Na capital angolana, Luanda, os hotéis estão sempre lotados, em qualquer época do ano, mesmo com diárias de US$ 200, incompatíveis com os padrões africanos. São executivos de grandes petrolíferas que estão investindo bilhões de dólares no país. O lucro obtido com as exportações é o motor do processo de reconstrução angolano, cinco anos após o fim da guerra civil que matou 500 mil pessoas e arrasou a infra-estrutura local. O drama do continente africano é que poucos dos outros 52 países vivem o mesmo desenvolvimento de Angola e a distribuição de recursos naturais e de problemas é absolutamente desigual. Na República Democrática do Congo, por exemplo, os mesmos componentes que mantêm o leste do país atolado numa guerra que já deixou 4 milhões de mortos nos últimos onze anos - rivalidade étnica e interesses divergentes de países vizinhos - impedem que preocupações básicas, como saúde e educação, cheguem à mesa de discussão do governo. A prioridade ali é encontrar uma fórmula para coibir milícias armadas de cometer estupros, seqüestrar crianças e obrigar milhares a fugir de suas casas, além de livrar o terreno das minas terrestres. Angola e Congo simbolizam, assim, os dois extremos da África atual. PETRODÓLARES Para entender a África que está dando certo, o Banco Mundial classificou os países de acordo com a atividade que puxa o crescimento econômico. O primeiro grupo, dos exportadores de petróleo e recursos minerais, inclui Angola, Nigéria, Sudão e Chade. As reservas de petróleo do continente representam 7% do volume total do mundo e a produção atual, de 6 milhões de barris ao dia, deve dobrar nas próximas duas décadas. Boa parte da rápida expansão desses países deve-se às parcerias comerciais com a China, que precisa desesperadamente de tais produtos para sustentar seu crescimento econômico. O segundo grupo abriga as nações com uma economia mais diversificada. Vários países encaixam-se nessa categoria, entre eles Tanzânia, Botsuana, Gana, Burkina Fasso, Quênia e Ilhas Maurício. "Além desses, os governos de Senegal, Gana e Ruanda criaram pacotes econômicos eficientes e souberam levar seu país na direção certa, mesmo com poucos recursos naturais", diz Anthony Holmes, do Conselho para Relações Internacionais, centro de estudos com sede em Washington, e ex-embaixador dos EUA em diversos países africanos. Como não têm grandes reservas de petróleo nem de minérios, esses países cresceram por viverem uma situação política mais estável, por promoverem uma melhor gestão econômica e se abrirem mais ao capital externo. Segundo o economista-chefe do Banco Mundial, John Page, "a África aprendeu a negociar com eficiência com o mundo, a confiar mais no setor privado e a evitar colapsos no seu crescimento econômico, algo que caracterizou os anos 70, 80 e começo dos 90". Para desenvolver-se mais uniformemente, a África deve evitar algumas armadilhas. "É ótimo que os africanos estejam aproveitando a alta nos preços de commodities, mas é preciso estar alerta para o fato de que esse mercado é cíclico e, por isso, o preço desses produtos pode cair a qualquer momento", explica o americano Holmes. Outra prioridade é resolver os conflitos que assolam várias regiões do continente e são responsáveis pelo fato de 36% dos 450 milhões de africanos ainda viverem na miséria absoluta. "Sudão, Somália e Chade estão sendo devastados pela guerra e são exemplos de pobreza e violência extremas", diz o francês François Grignon, diretor do International Crisis Group, com sede em Bruxelas, na Bélgica. "Etiópia e Eritréia também merecem atenção, além da Guiné-Bissau, que enfrenta um gravíssimo problema com o narcotráfico", acrescenta Holmes. A maioria desses conflitos envolve rivalidades étnicas, mas o componente religioso ameaça as regiões de população islâmica. Além de disputas entre milícias cristãs e muçulmanas em países como Sudão, Etiópia e Nigéria, o terrorismo islâmico inspirado na Al-Qaeda consolidou-se no norte da África. Só este ano, cinco atentados promovidos pela Al-Qaeda do Magreb Islâmico - considerado uma das facções mais ativas do grupo do terrorista Osama bin Laden fora do Oriente Médio - deixaram 131 mortos na Argélia. Em meio a tantos problemas que ainda rondam o continente africano, o cientista político queniano Firoze Manji resume a esperança de quem conhece a fundo a região. "Meu otimismo é mais social que econômico. Vejo cidadãos se mobilizando por seus direitos. Nesse sentido, é um momento extraordinário para a África, algo que eu não via há muito tempo."

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