O sepultamento do processo de paz

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Por AARON DAVID MILLER
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Alguém deve realmente odiar o processo de paz entre árabes e israelenses. Exatamente quando se pensava que as coisas não poderiam ficar piores, aparece a versão palestina do WikiLeaks. Os documentos divulgados pela Al-Jazira não significam o fim das negociações, mas são um golpe para a Autoridade Palestina (AP) e arrefecerão o pragmatismo por muito tempo. O episódio reflete também alguns problemas sérios subjacentes nesse processo de paz que impedem um avanço rápido e fácil no futuro. Em primeiro lugar, para quem acompanhou seriamente as negociações durante a última década não é uma surpresa a dos palestinos: sua disposição em reconhecer a soberania israelense sobre áreas de assentamentos que disputadas em Jerusalém Oriental, trocas territoriais, limite no número de refugiados com permissão para retornar, tudo isto é público desde a reunião de cúpula de Camp David, em 2000.Essas posições reveladas em "documentos oficiais" passam a ser vistas sob um ângulo diferente. No entanto, quem acompanha o caso nunca concluiria que a AP, repentinamente, decidiu pôr à venda o patrimônio palestino ou trair as aspirações nacionais. Suas posições constituem os parâmetros públicos dentro dos quais israelenses, palestinos e americanos trabalham.Em seguida, a pergunta é quanto ao que essas posições representam. Nos últimos dez anos, em nenhum momento israelenses e palestinos estiveram próximos de um acordo. Os documentos refletem um período particularmente fértil de discussões entre o líder da AP, Mahmoud Abbas, e o então primeiro ministro Ehud Olmert. Nenhum acordo, porém, foi alcançado. Na realidade, negociadores palestinos e israelenses se atêm à regra "nada está acertado até que tudo esteja acertado". Ela permite a um negociador investigar, colocar na mesa todos os tipos de posições e balões de ensaio e buscar a flexibilidade, demonstrando que ele próprio é flexível. Tudo isto pode ocorrer sem que um ou outro se comprometa com posições impossíveis. Ninguém estava vendendo uma fazenda ou uma loja. Estavam negociando.O momento do vazamento também precisa ser avaliado quando se analisa as reações que ele provocou. Se isso tivesse ocorrido quando a situação era mais promissora, o alarde seria menor. Se ambos os lados estivessem próximos de um acordo, por exemplo, sobre o status de Jerusalém Oriental, o fato de os palestinos terem aceitado a soberania israelense sobre algumas áreas teria sido menos controvertido. Hoje, há muito desespero e os responsáveis pelos vazamentos se aproveitam da situação.Infelizmente, vivemos em um mundo em que percepção é confundida com realidade. Esses documentos podem prejudicar a credibilidade de Abbas e reforçar a oposição interna contra ele. Os vazamentos também mostram problemas sérios nas negociações. Primeiramente, não há dúvida de que a diferença é grande entre o que a AP estava oferecendo e o que é aceitável para os palestinos comuns. O fato de hoje os palestinos parecerem uma Arca de Noé - dois governos, dois serviços de segurança, dois grupos de financiadores - também é um problema. A questão principal, porém, é que AP e Israel não fizeram o necessário para convencer seus povos sobre as escolhas que devem ser feitas para se firmar um acordo.Em segundo lugar, os vazamentos não têm a ver somente com os palestinos. Sabemos que Olmert estava disposto a ir mais longe do que seus predecessores em todas as questões, mas os documento mostram que, em pontos-chave, os israelenses não ofereceram nada em troca. Por isso, por mais prejudiciais que eles tenham sido para os palestinos, os israelenses também não fizeram boa figura.Finalmente, as revelações arrefecerão um processo que já estava congelado. Os palestinos serão mais cautelosos. Os EUA terão mais dificuldades para obter flexibilidade de ambos os lados. Como me disse um negociador israelense, só há duas possibilidades: você pode estar morto ou morto e enterrado. O processo de paz está morto. Ele pode ressuscitar, mas as complicações causadas pelos vazamentos não dão confiança de que a nova vida será longa. / TRADUÇÃO TEREZINHA MARTINO É ESPECIALISTA EM ORIENTE MÉDIO E FOI NEGOCIADOR DOS EUA NO PROCESSO DE PAZ ÁRABE-ISRAELENSE

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