O suicídio de um país em cólera

Tragédia causada por tirano ameaça contaminar vizinhos

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Por Gilles Lapouge
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O Zimbábue tem cólera. O mundo assiste ao vivo à dizimação de um país que já foi opulento, coberto de pastos, florestas, gado, madames e jogadores de golfe, dos tempos em que era a colônia britânica chamada Rodésia. O Zimbábue tornou-se independente em 1980. A independência não deu certo. Nas garras do "herói" da independência, Robert Mugabe, o "celeiro de trigo" da África tornou-se uma terra de fantasmas. E agora a cólera, doença arcaica, abate-se sobre o país. Até agora, Mugabe se recusou a pedir ajuda. Aos tiranos é sempre repugnante suplicar às democracias, mas ele acabou cedendo. A cólera avança. Segundo a ONU, foram registrados 12.500 casos, com 565 óbitos. O contágio é instantâneo numa população subalimentada, privada de água potável, sem remédios, hospitais, medicamentos. Diante do drama, as autoridades de Harare mantiveram-se caladas, cínicas ou ridículas. A única medida adotada foi o aumento dos impostos sobre os túmulos. Mas os sepultamentos continuam excessivamente caros: custam US$ 30, um mês de salário de um professor. A inflação chega oficialmente a 231 milhões por cento ao ano. O desemprego atinge 80% da população. Mugabe acabou pedindo socorro exclusivamente porque teme revoltas dramáticas. Harare está agitada. Na terça-feira, uma passeata de médicos e enfermeiros foi dispersada violentamente pela polícia. No dia seguinte, bandos de soldados, furiosos por não terem recebido seu soldo, saquearam agências de câmbio. O suicídio de um país outrora próspero ameaça os países vizinhos. A África do Sul está em alerta. Oito pessoas já foram infectadas no país. Outro vizinho, Botswana, registra as primeiras vítimas do cólera. Evidentemente, é normal que cada país seja dono de si mesmo. Mas seria exorbitante imaginar um direito de ingerência a fim de salvar da morte uma população ameaçada por uma epidemia de grandes proporções? Outra questão: a ameaça da fome. No ano que vem, a metade dos zimbabuanos precisará, para sobreviver, de ajuda alimentar. A cólera só contribuirá para acelerar a "descida ao inferno". *Gilles Lapouge é correspondente em Paris

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