A política russa se assemelha a uma tragédia, um drama, às vezes uma comédia. E parece exatamente um daqueles “vaudevilles”, que eram um deleite do século 19 francês, assinados por escritores como Labiche, Feydeau, hábeis na montagem de um drama no qual o marido, a mulher, a amante, os serviçais, as avós, se abraçam e se detestam, armam embustes e trocam o marido pela amante para voltar de novo ao marido. O cenário é banal. Num dado momento, um cartaz aparece e um sujeito hirsuto surge em cena, a mulher torce as mãos e grita: “Céus, meu marido!”
E a impressão é de que estamos em Moscou. No Kremlin também batemos à porta e descobrimos, atrás de uma cortina, um desconhecido. Foi assim em 2008, quando Putin pegou o mundo todo de surpresa e, depois de ter cumprido dois mandatos como presidente, encontrou uma maneira estranha de continuar no poder, sem violar a lei. Conseguiu eleger Medvedev, um político pouco conhecido para presidente, que em seguida o nomeou primeiro ministro. Mais tarde, em 2018, Putin novamente teve o direito de reivindicar um terceiro mandato, desta vez de seis anos. Ele se candidatou e foi eleito. E continuou o seu reinado. Depois de alguns anos presidente, esta semana ele esquematizou o que deverá ocorrer agora. Ele encerrará seu atual mandato. O que fará? No momento ele se contentou em trocar o primeiro ministro, nomeando um desconhecido chamado Mikhail Mishustin. E o atual premiê, Medvedev, será instalado no Conselho de Segurança nacional. Uma função interessante. E lá ele estará sob as ordens de quem? De Putin.
Mas é preciso encontrar um lugar para ele, pois a Constituição, apesar de tudo, tem de ser respeitada. No momento, Putin não esclareceu isto. Mas rumores nos corredores do Kremlin dão conta de que ele hesita entre duas opções: ser nomeado primeiro ministro, como da primeira vez há 10 anos, e respeitar a Constituição, antes de retornar à presidência, desde que tenha o direito? Ele vacila. Não sabe se é melhor se tornar de novo primeiro ministro ou ter um assento no Conselho de Estado.
Certas pessoas que conhecem a ânsia de poder de Putin sentem o cheiro de uma artimanha. Mas os especialistas afastam essa proposição. Putin não é mais jovem. Está com 67 anos e está no poder, numa ou noutra função, há 20 anos. Além disto, recorrer a um ardil que já utilizou antes, seria um pouco humilhante, como se esse formidável cérebro político estivesse agora sem munição.
Mas, então, esperam que ele irá cuidar da sua horta? Seguramente não. Putin tem o “vício” da política. Ao anunciar a indicação de um novo primeiro ministro, ele declarou que os poderes do Conselho de Estado serão aumentados. Esse Conselho poderá se tornar uma das engrenagens fundamentais do poder. Será, portanto, um bom lugar para ele se alojar.
Mas como Putin sempre consulta a si mesmo antes de tomar uma decisão importante, vamos esperar que ele próprio comunique qual será ela. /Tradução de Terezinha Martino
*É CORRESPONDENTE EM PARIS