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OAB-SP vai apresentar ao Mercosul proposta de criação de tribunal comum

Em documento obtido com exclusividade pelo 'estadão.com.br', OAB pretende que corte julgue crimes transnacionais

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Por Bruna Ribeiro
Atualização:

SÃO PAULO - A seccional São Paulo da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-SP) confirmou, nesta sexta-feira, 9, que vai apresentar um projeto para a criação de um Tribunal Penal do Mercosul no dia 19 de março, na sede da Secretaria Administrativa do Mercosul, em Montevidéu, no Uruguai. Redigido por um grupo de cinco advogados, o texto propõe que uma única corte julgue crimes transnacionais cometidos nos territórios da Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai.

 

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O diplomata Ramis Aiub está fazendo a mediação para o encontro. O grupo de advogados será recebido pelo embaixador brasileiro em Montevidéu, João Carlos de Souza-Gomes, que conduzirá o encontro oficial para que seja feito o protocolo, na Secretaria. De acordo com um dos autores do projeto, o jurista e conselheiro da OAB, Roberto Delmanto Júnior, a criação do TPI do Mercosul é importante para processar, julgar e executar, com a cooperação dos Estados, pessoas acusadas e condenadas pela prática de crimes transnacionais, como tráfico transnacional de pessoas, de drogas, armas e munições. Dezesseis crimes listados no breve

(ao qual o 

estadão.com.br

teve acesso com exclusividade) são, de acordo com Delmanto, "típicos de nossas fronteiras".

 

Os quatro países do Mercosul já são signatários do Estatuto de Roma, que reconhece o Tribunal Penal Internacional, com sede na cidade de Haia, na Holanda. "Nós já temos o precedente da aceitação da jurisdição do Tribunal Penal Internacional. Um órgão internacional para o qual se abre parcela de nossa soberania", disse o jurista. "Só que o TPI não abrange muito da delinquência transnacional dos países do Mercosul", justificou, uma vez que em Haia são julgados crimes contra a humanidade, de guerra e genocídio - e não os listados pela OAB.

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Apesar de os crimes citados pela OAB poderem ser julgados internamente, pelos próprios Estados, o caráter transnacional deles dificulta a repressão aos delitos. "Temos carros roubados aqui, que vão para o Paraguai. É muito difícil, porque há quadrilhas transnacionais organizadas que começam o crime em um país e terminam em outro", exemplificou Delmanto. "Por mais que você a combata internamente, você não consegue pegar a cúpula da quadrilha que está fora".

 

Como vai funcionar. A ideia vai além de apenas uma cooperação internacional. Se aprovado pelo Mercosul, quando entrar em vigor o tribunal contará com 24 juízes indicados pelos Estados partes, com mandatos de cinco anos. Eles serão divididos em três grupos iguais entre juízes de direito, advogados e representantes do Ministério Público de cada país do bloco. Tais funcionários, de acordo com o anteprojeto, devem ter "pelo menos dez anos de exercício profissional, notório saber jurídico e boa reputação".

 

As línguas oficiais serão espanhol e português. Em relação aos custos, segundo Delmanto, já existe um fundo de convergência do Mercosul, que está sendo implementado. "Seria o mesmo fundo a sustentar o Tribunal Penal do Mercosul. Enquanto isso não ocorrer, cada Estado, sendo quatro, arcaria com 25% dos custos do Tribunal", explicou. Depois de aprovada a proposta, seria criado um Código Penal do Mercosul. Delmanto contou que esses códigos seriam elaborados pelo Parlamento do Mercosul e os países membros colaborariam na execução das penas, acolhendo os condenados em seus presídios.

 

Debate. "É claro que as grandes inovações se fazem com ambição. Oxalá que essa proposta da OAB nos motive a fazer uma reflexão. A minha impressão geral do projeto é essa: Ele só avançará quando houver uma necessidade social, que implica em uma união cada vez mais estreita. E isso só existirá quando o Mercosul tiver, por exemplo, uma livre circulação de pessoas", definiu o professor de direito internacional da USP André de Carvalho Ramos. Se por um lado o projeto enche os olhos de quem acredita em um mundo mais internacionalizado, por outro não esconde a dificuldade de se instaurar uma proposta tão avançada em uma união como o Mercosul, que ainda tem um longo caminho a percorrer para alcançar objetivos mais amplos na integração da região.

 

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Também professor de direito internacional da USP, Wagner Luiz Menezes Lino pondera que toda iniciativa sobre a tentativa de criar mecanismos para flexibilizar a aplicação da justiça é relevante. "Mas essas propostas precisam vir acompanhadas de um aparato jurídico normativo, que lhe darão efetividade, senão não pararão de pé". Lino aponta quatro questões que devem ser analisadas para a consolidação do Tribunal Penal Internacional do Mercosul. A primeira delas é a discussão sobre a dificuldade de os Estados reconhecerem a corte, uma vez os tratados não têm aplicação imediata.

 

A segunda é a delimitação da competência. "Até onde vão os limites desse tribunal e qual vai ser o exercício dos poderes dele para que possa efetivamente julgar e condenar no âmbito do Mercosul?", questionou. A terceira questão, segundo Lino, é uma dificuldade conceitual, pois a integração regional de mercado do Mercosul não está voltada especificamente para uma integração voltada para aspectos penais. Por fim, a quarta questão é que os Estados devem estar preparados juridicamente para aceitar as atribuições de poder deste tribunal, o que demandaria custos.

 

"Acho que o caminho, em um primeiro momento, seria aperfeiçoar e aprofundar os tratados de cooperação jurídica internacional no âmbito do bloco para depois buscar a institucionalização de um tribunal. A institucionalização sozinha não resolve o problema", sugeriu Lino. "Entendo o mérito da OAB de SP de debater, mas eu sou pessimista quanto à implementação", completou.

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Ramos acredita que a cooperação estreita dos estados pode facilitar a criação de um tribunal para julgar esses crimes transnacionais. "Teríamos uma lenta evolução para que, no limite, tivéssemos uma igualdade na interpretação e aplicação", analisou. "Mas não tenho dúvida de que há, como os europeus gostam de falar, um destino comum: e será o Mercosul".

 

 

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