Obama adota diplomacia agressiva

Anúncio sobre Iraque é só uma parte da extensa agenda do governo para restituir a confiança do mundo nos EUA

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Por Patrícia Campos Mello e WASHINGTON
Atualização:

À parte o esforço para salvar o país da crise econômica, o presidente americano, Barack Obama, nestes primeiros dias de governo, dá mostra da agressividade com que pretende recuperar a confiança mundial na capacidade diplomática dos EUA. Com o anúncio, na sexta-feira, da retirada das tropas de combate que estão no Iraque até agosto de 2010 e a intenção de envolver Irã e Síria - dois da série de arqui-inimigos eleita na era de George W. Bush - em conversações "sustentadas", Obama deixa claro que sua opção pelo "smart power" (poder inteligente, a tese que privilegia a opção do diálogo, sem abrir mão do poder de pressão da força militar) não é mera retórica. Além da meta de relegar ao passado a impopular guerra no Iraque, reforçar o contingente no cada dia mais explosivo Afeganistão e conter - pela via da pressão e da diplomacia - as pretensões nucleares de Irã e Coreia do Norte, um time de enviados especiais está cruzando o mundo para cuidar das áreas mais delicadas da política externa dos EUA. Em tempo recorde, o Departamento de Estado escolheu os principais funcionários para assumir as políticas-chave em relação ao Oriente Médio, Coreia do Norte e Afeganistão. A secretária americana de Estado, Hillary Clinton, já fez uma viagem de uma semana pela Ásia. Nesta semana, começa um giro pelo Oriente Médio. NOVA ABORDAGEM "Precisamos de uma abordagem mais sustentável e ampla, por isso estamos renovando nossa diplomacia", disse Obama no discurso de sexta-feira. "É por isso que estamos revendo a luta contra a Al-Qaeda no Afeganistão e Paquistão, desenvolvendo uma estratégia para usar todos os elementos do poder americano para impedir que o Irã desenvolva armas nucleares e buscando a paz entre Israel e o mundo árabe", acrescentou. "E é por isso que nomeamos alguns dos mais bem-sucedidos diplomatas americanos - George Mitchell, Dennis Ross and Richard Holbrooke - para auxiliar a secretária Hillary Clinton a tocar essa agenda." Holbrooke, que ganhou prestígio ao negociar o acordo de paz na Bósnia, é o enviado para Afeganistão e Paquistão - ou "AfPak", como a instável região, que abriga os santuários de terroristas, é chamada no governo. Ele já esteve na Alemanha com o vice-presidente Joe Biden para uma reunião da Otan, e foi ao Paquistão, Afeganistão e Índia recentemente. Ele deu sinais de que o governo Obama pretende angariar o apoio de países da região para resolver as tensões com Afeganistão e Paquistão - e engajar até mesmo o Irã. Mitchell, outra figura respeitada nos círculos diplomáticos, negociou a paz na Irlanda do Norte e é agora enviado especial para o Oriente Médio. Ele já viajou duas vezes à região para preparar o terreno para a visita de Hillary, atuando para achar formas de retomar as negociações entre palestinos e israelenses. Na quinta-feira, Mitchell reuniu-se com Binyamin Netanyahu, incumbido de formar o novo governo de Israel, para discutir a retomada do diálogo. O recém-nomeado enviado especial para Coreia do Norte, Stephen Bosworth, vai a Seul, Tóquio, Pequim e Moscou nesta semana para discutir os próximos passos da negociação sobre a questão nuclear norte-coreana. E ainda está prevista a indicação de um enviado especial ao Sudão, assim que o governo concluir uma revisão da política para o país africano. Analistas apontam para o perigo de ter tantos enviados especiais e assessores cuidando de questões importantes. A colisão de egos entre tantos figurões que são enviados especiais já teria começado, com a interferência de Holbrooke para a nomeação de seu amigo Christopher Hill como embaixador no Iraque, no lugar de Anthony Zinni, que foi "desconvidado". O portfólio de Dennis Ross, o encarregado do Irã, também teria sido reduzido por pressão de Holbrooke. Ross é o assessor especial para o sudoeste da Ásia e Golfo, título escolhido a dedo pelo governo para não mencionar o nome Irã, já que os EUA não têm relações diplomáticas com o país. Mas está claro que sua principal atribuição é o Irã, e seu portfólio deveria incluir também o Afeganistão, mas foi freado por Holbrooke. DESCENTRALIZAÇÃO Para Robert Pastor, professor de Relações Internacionais na American University, o esquema de descentralizar a política externa tem muita vantagens e será bastante eficiente. "Sozinhos, o presidente e a secretária de Estado dariam conta de pontos nevrálgicos como Oriente Médio, Irã e Afeganistão-Paquistão, isso consumiria todo o tempo deles", disse Pastor ao Estado. "Com enviados especiais cuidando dessas áreas, aumenta a possibilidade de avançarmos." Já a abordagem nas Américas tem sido mais lenta, com exceção do contato com seus vizinhos e parceiros do Nafta - Canadá e México. Mas o governo trabalha numa plataforma para a região para coincidir com a visita do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, dia 17, e a Cúpula das Américas em Trinidad e Tobago, em 17 de abril. Para Stephen Brooks, professor do Dartmouth College e coautor do artigo Remodelando a Ordem Global, que será publicado na próxima edição da Foreign Affair, nunca houve a indicação de tantos enviados especiais tão no início de um governo. Mas, apesar de toda a movimentação, ainda faltam definições em grande parte das questões externas. "Reconhecemos que temos muitos problemas, mas ainda não se sabe qual será a estratégia para o Afeganistão, além do envio de mais tropas, por exemplo", disse Brooks ao Estado. MUDANÇA Barack Obama Presidente dos EUA "Precisamos de uma abordagem mais sustentável e ampla, por isso estamos renovando nossa diplomacia. E é por isso que nomeamos alguns dos mais bem-sucedidos diplomatas americanos para auxiliar a secretária de Estado Hillary Clinton a tocar essa agenda"

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