PUBLICIDADE

Obama ganha status de estrela negra

Dos poucos negros que escaparam do estereótipo racial e fizeram sucesso na América, muitos eram de Chicago

Por Wil Haygood e Washington
Atualização:

Aí vem ele, perseguindo a História e por ela sendo perseguido. Um negro que tenta conquistar o mais alto cargo dos EUA: a presidência. ''O-ba-ma, O-ba-ma, O-ba-ma'', gritava a multidão em Indiana. Se escutarem atentamente, poderão ouvir os ecos de outros negros que realizaram a mesma virada e encontraram o sucesso e o amor dos americanos brancos: Nat King Cole, Jesse Owen, Sammy Davis Jr., Sugar Ray Robinson, Lorraine Hansberry. Eram, na maior parte, artistas e atletas. Todos tinham um otimismo cego que lhes permitia ignorar ou passar por cima do racismo. Todos tinham talento musical, que falava a homens e mulheres em uma linguagem que nada tinha a ver com a cor. E todos eles, como Obama agora, deixaram importantes marcas na capital dos negros: Chicago. Essa mistura fez com que eles se esquivassem do dragão do estereótipo e que fossem bem recebidos na mesa de jantar dos americanos de diferentes raças. O otimismo pode ser contagiante, mas também temerário e difícil de decifrar. ''Não lembro de jamais ter visto um negro tornar-se uma espécie de astro do rock como ele se tornou'', disse Bob Cunningham, 73, falando de Obama, que estava nos bastidores do comício em Indiana. ''Não sei se isto é bom ou ruim. Mas, do jeito que abraçam Obama, acho que ele pode ganhar.'' SAMMY DAVIS JR. Cunningham olha em volta. Há muito mais rostos brancos do que negros. ''Você está no sul de Indiana'', disse ele, que vive do outro lado da fronteira, em Louisville, Estado de Kentucky.Em todas as partes, pessoas vestem camisas com a frase ''Sim, nós podemos'', que se tornou uma marca da campanha de Obama e lembra outra frase, ''Sim, eu posso'', título da autobiografia de Sammy Davis Jr., jovem artista negro das comédias musicais. Nos clubes noturnos de Los Angeles, em meados da década de 40, Sammy era conhecido por tentar desesperadamente para aproximar-se dos astros. Ele se apresentava a celebridades como Jerry Lewis e Jack Benny. Era um rapaz com pressa de chegar ao sucesso. Alguns o achavam um bajulador. Sammy implorava ao pai e a Will Mastin, seus parceiros de dança, para que fossem fazer televisão ao vivo, que abriria caminho nos clubes mais importantes do país. O otimismo do jovem os encantava e os deixava perplexos. Então, em 1954, em San Bernardino, na Califórnia, Sammy sofreu um acidente com seu Cadillac. No hospital, tiveram de retirar um de seus olhos. Os amigos temiam que ele tivesse chegado ao fim. Será que ele conseguiria calcular a distância até a beira do palco com um olho só? O show de seu retorno aos palcos foi no famoso clube Ciro''s. Compareceram centenas de celebridades e ele deixou todo o mundo maravilhado. A revista Variety afirmou que ''foi a noite de Sammy Davis Jr., o rapaz que perdeu um olho e está de volta em seu melhor estilo arrebatador''. Ele tinha dentes horríveis, um nariz exagerado e um olho de vidro. Mas, na década de 60, casou-se com May Britt, uma belíssima atriz sueca. Sammy ficou encantado quando foi convidado à Casa Branca, onde dormiu no quarto do Grande Libertador dos Escravos. O então presidente Richard Nixon queria enviá-lo para o Vietnã em uma missão investigativa. Se Sammy evitou ao máximo o chamado ''Sul Profundo'', a parte mais negra dos EUA, o mesmo não aconteceu com o crooner Nat King Cole. Nascido no Alabama, mas criado em Chicago, Cole foi um prodígio que formou uma banda de 14 instrumentos quando ainda era adolescente. O Nat King Cole Trio percorreu o país em turnês, atraindo novos admiradores. Em abril de 1956, ele deveria se apresentar no Birmingham Municipal Auditorium, no Alabama. Na ocasião, ficou extremamente emocionado por regressar ao Estado onde havia nascido. Seria a prova de sua transição. No Alabama, porém, muitos ainda se opunham à Lei Brown, que proibia a segregação nas escolas. Cole ignorou as advertências de que haveria manifestações segregacionistas contra seu show. O otimismo era seu escudo. Mas, na terceira música, um branco veio em disparada do fundo do auditório em direção ao palco. Em poucos segundos, alguns integrantes do Conselho de Cidadãos Brancos atacaram Cole, enquanto os fãs gritavam. A polícia entrou correndo e fez uma série de prisões. Cole ficou ensangüentado. ''Fomos avisados de que haveria problema'', disse Lee Young, baterista de Cole. ''Mas, a maioria dos músicos é gente muito otimista.'' Foi uma lição. Às vezes, esse otimismo pode acabar em sangue. Para elaborar uma crônica da época em que o negro elegante começou a se fixar na consciência americana, teríamos de consultar o Jazz Book, de 1944, da revista Esquire. Em suas páginas estão as fotos de Duke Ellington e Count Basie, Coleman Hawkins e Cootie Williams, Dizzy Gillespie e Cab Calloway. Todos têm a mesma marca inconfundível: o belo terno de algodão, a camisa branca elegante e a gravata típica dos músicos de jazz. Evidentemente, houve figuras elegantes durante o renascimento do Harlem, na década de 20, mas elas não se infiltraram nos recantos da América tradicional. Foi a música que os fez ingressar no mundo dos brancos: Sweet Georgia Brown e Begin the beguine. Música maravilhosa, ternos finos. O jazz de estilo ''cool'', em breve, nasceria dali. Até certo ponto, o sucesso desses homens poderia ser considerado uma sucessão de estereótipos: o negro e a música, o negro e os esportes. As portas que se abriam para o artista e para o atleta não estavam abertas para o negro da seguradora em Atlanta ou para o médico negro de Los Angeles. O atleta e o artista moviam-se com uma liberdade inimaginável para o negro, homem de negócios. E, no entanto, Jesse Owen, famoso por ganhar medalhas de ouro nas Olimpíadas de Berlim, em 1936, foi obrigado, em solo americano, a aceitar empregos destinados aos negros , inclusive competir com cavalos para ganhar dinheiro. ''Hitler se recusou a apertar a minha mão'', lembrou Owen, certa vez. ''Mas também nunca fui convidado para apertar a mão do presidente dos EUA na Casa Branca.'' No final da década de 40, o campeão de boxe Sugar Ray Robinson começou ajudando o jornalista Walter Winchell a arrecadar dinheiro para o Fundo Damon Runyon contra o câncer. Foi uma forma de Robinson identificar-se com o público branco, mais tradicional, já que muitas famílias tinham algum membro que sofria da doença. Em 1952, consciente de que sua transição havia sido bem sucedida, Robinson abandonou o ringue para dedicar-se ao show business. Tinha talento com a bateria e o piano, mas o que influiu em sua decisão foi um elemento muito mais profundo. Não havia nenhum outro campo de trabalho a não ser o do entretenimento que pudesse lhe proporcionar o dinheiro que ele ganhara lutando. E aí vem Obama. Seu avião está descendo em Chicago. O candidato vai passar a noite em casa. Anos atrás, os negros só iam para Chicago de trem. Do Mississippi e do Alabama, da Georgia e da Louisiana. Dos acampamentos para a produção de resinas. Os acadêmicos chamaram o processo de ''A Grande Migração''. Muitos, chamavam apenas de sonho. LORRAINE HANSBERRY Naquela época, havia o sonho de um emprego em uma fábrica. Agora, o sonho é a Casa Branca. A dramaturga negra Lorraine Hansberry, de Chicago, ambientou a peça de teatro A raisin in the sun em sua cidade natal. Antes da estréia na Broadway, em 1959, escreveu para sua mãe. ''Mamãe, é uma peça que fala a verdade a respeito das pessoas, dos negros e da vida. Acho que ajudará muita gente a compreender que somos tão complicados quanto elas, mas, acima de tudo, que no meio da nossa gente miserável há pessoas que são a própria essência da dignidade humana. É isto que, além dos risos e das lágrimas, a peça pretende dizer''. A raisin in the sun foi estrelada por Sidney Poitier e Claudia McNeil. A peça foi a primeira escrita por uma mulher negra a ser apresentada na Broadway e atraiu imediatamente negros e brancos para o teatro . E lá vai ele, um outro homem de Chicago, em busca dos corações da América, arrastando atrás de si os mesmos fantasmas.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.